domingo, agosto 05, 2007

"A RÚSSIA DE PUTIN" DE ANNA POLITKOVSKAYA

O assassinato de Anna Politkovskaya à porta de sua casa em Moscovo em Outubro de 2006 despertou-nos violentamente para o facto da Rússia de Putin ser um país em que se continuam a verificar graves violações dos mais elementares direitos humanos.
Anna Politkovskaya foi uma das heroínas e heróis da luta pelos direitos humanos, a quem prestámos homenagem no Congresso Mundial da FIDH (Federação Internacional dos Direitos Humanos) realizada no passado mês de Abril, em Lisboa. Nesse Congresso tivemos oportunidade de analisar algumas graves violações de direitos humanos no que se refere, por exemplo, às migrações na Rússia, como se pode ver aqui.
Recordar Anna Politkovskaya é dizer que ninguém pode calar uma voz livre e que a verdade é mais forte que o assassinato. Temos uma oportunidade de a recordar, lendo, divulgando e discutindo o seu livro “A Rússia de Putin”, recentemente editado entre nós pela Pedra da Lua, com tradução de António Costa Santos.
O retrato que nos faz da Rússia de Putin faz regressar à nossa memória os piores fantasmas para os que ainda viveram no Portugal de Salazar. São, naturalmente, realidades muito diversas, mas a existência de um poder acima das leis, a eliminação de adversários políticos, a coragem que é necessária para dizer não, e, resistir são pontos comuns.
A sua imagem da Rússia é muito diferente de um país estável, que aperfeiçoa o seu regime democrático e que se vê confrontado com o terrorismo de inspiração islâmica na Chechénia. É um país em que o poder está concentrado, verticalmente, em Putin, em que as todo poderosas Forças Armadas «são um sistema fechado nada diferente de uma prisão», em que um conhecido jornalista, Paul Khlebnikov, por escrever sobre o “capitalismo de gangsters” que prospera na Rússia foi metralhado e morto, quando saía da redacção da revista em que trabalhava, em que o deputado Victor Cheropov foi pelos ares com o rebentamento de uma granada em Vladivostok, sua terra natal, quando disputava eleitoralmente a presidência da Câmara.
O livro não é obra de um analista ou de um cientista político, mas sim de uma jornalista, que nele deixa as suas “reacções emocionais”. O retrato que nos faz é implacável para um poder cujo cinismo procura denunciar. O texto que lhe acrescentou sobre a tragédia de Beslan é particularmente significativo. O autoritarismo de Putin gera a cobardia e a pusilanimidade dos quadros intermédios e tudo isto conduziu à morte centenas de pessoas.
Anna Politkoskaya não tem qualquer espécie de simpatia pelo grupo que fez reféns cerca de 1500 pessoas entre crianças, professores e pais na Escola Básica n.º1 de Beslan, na Ossétia do Norte, que qualifica de “gang multinacional de bandidos”, mas não deixa de se indignar pela forma irresponsável como as autoridades dependentes de Putin geriram este processo.
A jornalista denuncia a mentira, a forma como se procura permanente manipular o povo russo e a comunidade internacional. Impressionou-me o facto de durante o sequestro de Beslan, perante o agravar da situação e face às mentiras oficiais que eram divulgadas na imprensa, escrever: «Nessa altura, alguns familiares começaram a bater nos jornalistas».
Percebe-se melhor ainda a sua indignação se tivermos presente que segundo se pode ler na Wikipedia aqui, tentou ser mediadora para salvar vidas humanas, mas ficou doente, tendo-se verificado no hospital que sofria de envenenamento. Apenas tinha bebido chá servido durante o voo quando se dirigia para lá.
Não nos podemos enganar e fazer de contas que não há problemas. As mortes inquietantes que se têm vindo a verificar são um sinal de alarme. Temos que procurar conhecer melhor a situação na Rússia e apoiar os que se batem pelos direitos humanos, por mais e melhor democracia.
As análises de Anna Politskoskaya sobre a forma como as autoridades russas actuam, não são inquestionáveis, nem temos que estar de acordo com todas elas, mas quando alguém é assassinado pelas suas opiniões, a presunção de que ela tinha razão torna-se iniludível.

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