Sempre tive um grande interesse pela obra de Mia Couto e pela sua profunda sensibilidade que se alimenta de uma escuta atenta às pessoas diversas que fazem a riqueza humana e cultural de Moçambique. O seu olhar sobre as pessoas toca-me profundamente. Gostei, especialmente, de “A Varanda de Frangipani”.
A atribuição do Prémio da União Latina de Literaturas Românicas, em 16 de Abril de 2007, a Mia Couto chamou a atenção dos grandes meios de comunicação social portugueses sobre sua obra. Tudo isto acontece quando está em cena no Teatro Nacional D. Maria II a peça “Vinte e Zinco”, de sua autoria.
Mia Couto recusa-se a classificar as pessoas em categorias que as dividem artificialmente. Um livro que devia fazer parte da educação humana de qualquer cidadão é “Cada Homem é uma Raça”, no qual escreveu: «Toda a pessoa é uma humanidade individual, cada homem é uma raça».
Foi por isso que intencionalmente citei essa frase deste livro ao terminar a intervenção que em nome de Portugal fiz na “Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia, e a Intolerância”, que teve lugar em Durban, em 2001.
Mia Couto é também, como referiu o júri da União Latina ao justificar a atribuição do prémio, um escritor «de uma euforia vocabular que vem influenciando escritores mais jovens em todo o espaço da língua portuguesa».
A euforia vocabular não é exclusiva de Mia Couto; outros escritores de língua portuguesa, como o brasileiro João Guimarães Rosa, ou como a portuguesa Maria Velho da Costa, ou o angolano José Luandino Vieira, cultivaram a euforia vocabular de outras formas, mas é justo realçar a sua influência em escritores mais jovens.
Mia Couto tem cultivado com mestria o conto dando tratamento literário à fala popular moçambicana sendo, como afirmou o júri «um extraordinário contador de estórias na mais pura tradição africana».
A atribuição de prémio a Mia Couto foi também justificada pelo júri pela vontade de «reconhecer e premiar a participação dos africanos de língua portuguesa e em particular dos moçambicanos, na revitalização desse idioma». O júri sublinhou ainda que: «De instrumento de dominação colonial, o português transformou-se ao longo das últimas três décadas, numa ponte de afectos e num importante factor de unidade nacional, em países, como Angola e Moçambique com muitas línguas e etnias».
É muito significativo que o prémio lhe tenha sido atribuído em Roma por um júri, com grande diversidade linguística, composto por: Vincenzo Consolo (Itália); Gabriela Adamesteanu (Roménia), José Eduardo Agualusa (Angola); Santiago Gambôa (Colômbia), Lídia Jorge (Portugal), Joan Francesc Mira (Espanha-língua catalã), Tierno Monénembo (Guiné), Rosa Montero (Espanha) e Jean Noel Pancrazi (França).
Uma parte do montante do prémio é destinado a apoiar a tradução do autor em línguas latinas em que não está ainda publicado.
Mia Couto é o exemplo de um escritor que utiliza com invulgar mestria a língua portuguesa e que por isso mesmo não pode ser apenas rotulado de escritor moçambicano. Um homem atento, dotado de humildade na escuta dos outros, que escreve: «A pessoa deve sair do mundo tal igual como nasceu, enrolada em poupança de tamanho», (in “A varanda de Frangipani”, Caminho, p.160).
Para os que ainda não perceberam que o português só será uma língua com futuro se souber incorporar toda a riqueza da diversidade dos seus falantes e escritores nos diferentes continentes. Faz mais sentido falar hoje de literatura de língua portuguesa, do que apenas de literatura portuguesa.
Ainda bem que assim é.
domingo, julho 01, 2007
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1 comentário:
Peço desculpa pela intromissão, isto não tem nada que ver com o post. Mas eu, engomador, me confesso. Ver em http://opaisdoburro.blogspot.com/2007/07/5-livros-5-blogs.html
Cumprimentos e bons livros.
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