domingo, março 05, 2006

ALIANÇA DE CIVILIZAÇÕES

Os tempos não têm sido favoráveis para os partidários da aliança de civilizações, mas por isso mesmo temos de retomar esse combate.
Como escrevi neste blogue a 31.07.2005, ao terminar um post que intitulei Muçulmanos Europeus, “os muçulmanos na Europa não são uma categoria sociológica, são pessoas muito diversas com as quais somos chamados a relacionar-nos, não esquecendo nunca uma lei universal, só se pode gostar de quem se conhece”.
Não são apenas os muçulmanos europeus que são plurais e diversos, em diferentes graus e com maior ou menor visibilidade, essa diversidade tende a ser uma realidade nas diversas sociedades em que o islamismo é a religião dominante. Podemos impacientar-nos face à lentidão com que as transformações se verificam, devemos denunciar os retrocessos verificados, mão não podemos ignorar que essas sociedades estão em movimento, nem deixar de estar atento às vozes que se levantam no caminho da democracia e da paz.
Julgo que valia a pena termos em conta o diálogo de civilizações em que a UNESCO está empenhada e a defesa que políticos europeus como Zapatero e, entre nós Manuel Alegre, têm denominado como aliança de civilizações.
É também importante procurarmos ter uma informação que vá para lá das simplificações. No Irão, para lá do actual presidente, há outras vozes e há mais vida que teima em se fazer ouvir. Mais que acumular argumentos para defender uma eventual intervenção, há que não esquecer as lutas pela democracia que se têm travado, e se continuam a travar, é certo que até agora sem sucesso.
É positivo que o anterior presidente Mohammad Khatami tenha reagido a negação do Holocausto que tem vindo a ser promovida pelo actual presidente. Em declarações que, segundo a imprensa portuguesa (Público, 3.03.2006), foram transcritas pela imprensa iraniana ter-se-á referido ao Holocausto como uma realidade histórica e terá dito, nomeadamente “Devíamos insurgir-nos, mesmo que um só judeu tivesse sido morto” e “ Não se esqueçam que um dos crimes de Hitler, do nazismo e do nacional-socialismo alemão foi o massacre de gente inocente, designadamente, de muitos judeus. (…) O Holocausto deve ser reconhecido mesmo que se tenha abusado dessa realidade histórica e que haja pressões enormes sobre o povo palestiniano”.
Acrescentou: “A perseguição dos judeus e o nazismo são fenómenos ocidentais. No Oriente sempre coabitámos. Somos os discípulos de uma religião segundo a qual a morte de um inocente equivale à morte da humanidade”. Khatami tem-se, aliás, manifestado como defensor do diálogo de civilizações e tem-no feito a partir do mundo muçulmano. As suas palavras são discutíveis, mas são corajosas e ditas onde é necessário que sejam ditas.
Mais perto de nós temos assistido a uma evolução positiva em Marrocos na linha do reconhecimento dos direitos das mulheres e dos direitos humanos, em geral, com o apoio do actual monarca. Não deixa de ser significativo saber que muitas das mulheres mais activas na defesa dos direitos das mulheres são antigas prisioneiras políticas ou familiares de prisioneiros políticos.
Na Turquia temos um Estado em que se verifica uma separação entre o Estado e a religião islâmica, pese embora o carácter amplamente hegemónico do islamismo como religião.
Não podemos deixar de procurar saber mais sobre o pluralismo das práticas religiosas, as diferenças culturais e políticas existentes nas sociedades em que o islamismo é a religião dominante. Quem não é capaz de distinguir a pluralidade existente nessas sociedades, sofre de uma espécie de cegueira voluntária que leva a ver tudo o que é diferente como homogéneo e ameaçador.
A via tem de ser a do diálogo. Como afirmou Jorge Sampaio na Argélia: “O diálogo e a convivência - não apenas entre governos, mas também entre homens de cultura, de leis, de religião - são especialmente importantes neste momento delicado das relações entre o Ocidente e o Islão, em que qualquer mal-entendido ou divergência podem rapidamente assumir proporções junto das opiniões públicas, como ainda recentemente vimos”(Público, 4.03.2006).
Não devemos subestimar o fundamentalismo islâmico, ou qualquer outro, e temos de combater todos os terrorismos com determinação e eficácia, mas devemos privilegiar a via do diálogo. Não podemos reeditar as cruzadas desta vez em nome da democracia e do Estado laico. O objectivo será por esse meio construir uma verdadeira aliança de civilizações.

2 comentários:

Luís Froes disse...

Essa "aliança de civilizações" é por certo desejável, mas o extremismo islâmico não está minimamente interessado nela...

José Leitão disse...

O que é desejável deve tornar-se realidade.Os extremismos sejam eles de que origem forem não nos podem fazer desistir de construir um mundo em que a dignidade de todos os seres humanos seja respeitada.Somos membros de uma única família humana e temos o dever de agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.