domingo, junho 26, 2005

ULTRAPASSAR A “CIÊNCIA-EXCLUSÃO”

Tem-se falado muito da necessidade de um choque tecnológico como condição para o desenvolvimento sustentável de Portugal, mas ele não será possível sem ultrapassarmos o que denomino de “ciência-exclusão”, designando desta forma o desconhecimento e desinteresse generalizado pela cultura científica que constitui uma situação difícil de ultrapassar, mas não impossível pelo menos a médio prazo. A rapidez com que se têm verificado rápidos progressos no combate à info-exclusão deve animar-nos, embora seja mais fácil aprender algumas rotinas do que ultrapassar a generalizada falta de competências em matemática ou noutras áreas científicas como a física, a química e as ciências da vida.
Esta falta de competências representará cada vez mais para cada um de nós uma forma de exclusão, já que a desigualdade face ao saber científico terá consequências na desigualdade em termos de ter e de poder.
Dito isto queria saudar três acontecimentos positivos que, de forma diversa, representam um estímulo ao desenvolvimento de uma cultura cientifica, e que são a atribuição do Prémio Príncipe das Astúrias ao neurologista português António Damásio, o facto da nova Fundação Champalimaud se propor dedicar 500 milhões de euros à investigação científica pretendendo contribuir para o tratamento das doenças de Alzheimer, Parkinson e enfermidades visuais, e o anúncio feito por José Sócrates no Parlamento da aposta na reciclagem dos professores de matemática.
A atribuição do Prémio Príncipe das Astúrias de Investigação Científica e Técnica 2005 a António Damásio no valor de 50 mil euros, por unanimidade, entre 58 candidaturas, é um convite a lermos os seus livros de divulgação científica de forma a termos uma visão mais actualizada da influência das áreas cerebrais em dimensões fundamentais da nossa vida, da emoção e dos sentimentos, à linguagem e à memória É, sobretudo, mais um estímulo à investigação científica, como o é a já referida iniciativa da nova Fundação Champalimaud.
Terá, decerto, efeitos a mais longo prazo a anunciada aposta do governo na formação contínua dos docentes para melhorar o ensino da matemática. Sendo por formação de cultura literária, estou até hoje convencido que outras poderiam ter sido as minhas opções se tivesse tido outro ensino da matemática. Não esqueço também a forma como tive de decorar as correntes induzidas na física, com a sensação de que estava a passar ao lado de uma matéria interessante, e como mais tarde descobri as maravilhas da física das pequenas partículas numa exposição de divulgação no Instituto Superior Técnico, organizada em colaboração com o CERN. Quero com isto dizer que só docentes que não só dominem as matérias, mas que estejam maravilhados com o que ensinam podem despertar o interesse dos alunos, como aconteceu comigo com professores de história, filosofia, língua e literatura portuguesa, alguns ramos do direito e mais recentemente da sociologia.
As nossas opções ao longo da vida vão limitando as nossas possibilidades de escolha, não é a meio da vida que temos oportunidade de mudar radicalmente de caminho, mas todos nós temos possibilidade e diria mesmo somos desafiados a adquirir novas competências.
Duas breves sugestões práticas: que tal incluir livros de António Damásio ou João Lobo Antunes nos nossos livros de Verão e procurarmos descobrir as potencialidades que não sabemos ainda utilizar dos equipamentos que adquirimos dos telemóveis aos computadores?
É evidente que aos matemáticos, físicos ou outros cientistas recomendo que incluam escritores e poetas, incluindo clássicos como a Odisseia, a Bíblia, Os Lusíadas ou D. Quixote nos seus livros de Verão. Estou certo que virão a ser melhores cientistas.
O desenvolvimento do país exige que estejamos dispostos a aprender em áreas do conhecimento que não são aquelas em que fomos formados. Temos muitos défices culturais, mas neste momento o mais grave, porque é o mais generalizado, é “ciência-exclusão”. Temos de nos dispormos a dar determinados passos para a ultrapassar. Há tanta coisa maravilhosa para descobrir se nos dispusermos a ser levados pela curiosidade e pela vontade de saber.

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