O Chalet da Memória de Tony Judt reúne os últimos ensaios publicados no New York Review of Books, escritas depois do livro Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos, que foi o seu testamento político e a que nos referimos aqui.
O livro está bem traduzido, e escrito de acordo com a nova ortografia portuguesa, lendo-se com grande prazer.
São crónicas construídas mentalmente durante as noites de insónia por Tony Judt numa fase já muito avançada da esclerose lateral amiotrópica (ELA), a doença de Lou Gehrig, que o vitimou e ditadas durante o dia, quando isso lhe era ainda possível.
Tony Judt combateu a doença, com força e determinação, que honra a dignidade e a coragem do género humano, mas este não é um livro sobre a doença, é sobre a vida que viveu, a situação cultural e política, porque a doença “o inferno não é uma experiência transmissível”, como escreveu Timothy Garton Ash.
A realidade da doença é-nos dada expressamente através de um ensaio intitulado Noite, que situa as condições em que surgiram estes ensaios e muito a propósito do desconforto que sente refere a Metamorfose de Franz Kafka.
É admirável como os ensaios se articulam de forma a constituírem uma construção ordenada e coerente a partir da memória decisiva de um momento marcante da sua vida, as férias de Inverno passadas em 1957 ou 1958 num chalet, “uma pequena pensione, um hotel de família na vila antiquada de Chesières, no sopé da abastada região de esqui de Villars, na Suiça francófona”.
As narrativas e ensaios têm uma subtil, mas real ligação entre si. O autor refere-o: “… durante estes pequenos exercícios, percebi que estava a reconstruir - como se fossem legos – segmentos entrelaçados do meu próprio passado que antes nunca pensei que estivessem relacionados”.
É um livro de memórias mas que nunca estão desligadas das suas opções sociais e políticas. Ao falar dos Autocarros da linha Verde e do seu cheiro, de a Comida ou dos comboios em o Desejo Mimético, o historiador e o cidadão estão bem presentes na análise crítica das involuções verificadas em matéria de políticas públicas de transportes.
O autor é um cidadão, cosmopolita, um social-democrata universalista, que não se limita a recordar, mas que através destes feuilletons, continua a intervir, com inteligência como humor e mesmo com ironia. Leiam-se, por exemplo, Paris foi ontem, Revolucionários ou Raparigas, raparigas, raparigas. São muito interessantes as reflexões que faz sobre a fase em que defendeu um sionismo de esquerda, os ensinamentos que disso retirou, e o olhar crítico sobre as políticas de identidade defendidas por muitos académicos, seus colegas da universidade.
Tony Judt tem o que se designa como uma identidade hifenizada, um inglês, que se considera nova-iorquino, um judeu assumido como se pode ver em Toni, que confessa “conheço melhor a liturgia do anglicanismo do que muitos ritos e práticas do judaísmo”, receia que o futuro nos traga demasiada identidades excludentes. Afirma; “… iremos ter saudades dos tolerantes, dos que estão à margem: a gente das franjas. A minha gente.” Daí o seu gosto pelas “cidades mundiais”, o seu amor por Nova Iorque.
Termina a sua viagem pelas recordações regressando às Montanhas Mágicas da Suiça, neste caso a Murren, onde “nunca nada ali correu mal”, evocando um pequeno comboio na montanha. Ele que tanto gostava de comboios, diz: “Não podemos escolher onde começar a nossa vida, mas podemos acabar onde quisermos. Sei onde estarei: a ir a lado nenhum em especial naquele pequeno comboio para todo o sempre”.
É um livro a ler e a reler, escrito por um ser humano excepcional, por um intelectual, que se afirmou até ao limite das suas forças como um social-democrata universalista.
Há só um aspecto em que espero, se engane. O comboio em que embarcou para todo o sempre não está condenado a ir a lado nenhum.
O livro está bem traduzido, e escrito de acordo com a nova ortografia portuguesa, lendo-se com grande prazer.
São crónicas construídas mentalmente durante as noites de insónia por Tony Judt numa fase já muito avançada da esclerose lateral amiotrópica (ELA), a doença de Lou Gehrig, que o vitimou e ditadas durante o dia, quando isso lhe era ainda possível.
Tony Judt combateu a doença, com força e determinação, que honra a dignidade e a coragem do género humano, mas este não é um livro sobre a doença, é sobre a vida que viveu, a situação cultural e política, porque a doença “o inferno não é uma experiência transmissível”, como escreveu Timothy Garton Ash.
A realidade da doença é-nos dada expressamente através de um ensaio intitulado Noite, que situa as condições em que surgiram estes ensaios e muito a propósito do desconforto que sente refere a Metamorfose de Franz Kafka.
É admirável como os ensaios se articulam de forma a constituírem uma construção ordenada e coerente a partir da memória decisiva de um momento marcante da sua vida, as férias de Inverno passadas em 1957 ou 1958 num chalet, “uma pequena pensione, um hotel de família na vila antiquada de Chesières, no sopé da abastada região de esqui de Villars, na Suiça francófona”.
As narrativas e ensaios têm uma subtil, mas real ligação entre si. O autor refere-o: “… durante estes pequenos exercícios, percebi que estava a reconstruir - como se fossem legos – segmentos entrelaçados do meu próprio passado que antes nunca pensei que estivessem relacionados”.
É um livro de memórias mas que nunca estão desligadas das suas opções sociais e políticas. Ao falar dos Autocarros da linha Verde e do seu cheiro, de a Comida ou dos comboios em o Desejo Mimético, o historiador e o cidadão estão bem presentes na análise crítica das involuções verificadas em matéria de políticas públicas de transportes.
O autor é um cidadão, cosmopolita, um social-democrata universalista, que não se limita a recordar, mas que através destes feuilletons, continua a intervir, com inteligência como humor e mesmo com ironia. Leiam-se, por exemplo, Paris foi ontem, Revolucionários ou Raparigas, raparigas, raparigas. São muito interessantes as reflexões que faz sobre a fase em que defendeu um sionismo de esquerda, os ensinamentos que disso retirou, e o olhar crítico sobre as políticas de identidade defendidas por muitos académicos, seus colegas da universidade.
Tony Judt tem o que se designa como uma identidade hifenizada, um inglês, que se considera nova-iorquino, um judeu assumido como se pode ver em Toni, que confessa “conheço melhor a liturgia do anglicanismo do que muitos ritos e práticas do judaísmo”, receia que o futuro nos traga demasiada identidades excludentes. Afirma; “… iremos ter saudades dos tolerantes, dos que estão à margem: a gente das franjas. A minha gente.” Daí o seu gosto pelas “cidades mundiais”, o seu amor por Nova Iorque.
Termina a sua viagem pelas recordações regressando às Montanhas Mágicas da Suiça, neste caso a Murren, onde “nunca nada ali correu mal”, evocando um pequeno comboio na montanha. Ele que tanto gostava de comboios, diz: “Não podemos escolher onde começar a nossa vida, mas podemos acabar onde quisermos. Sei onde estarei: a ir a lado nenhum em especial naquele pequeno comboio para todo o sempre”.
É um livro a ler e a reler, escrito por um ser humano excepcional, por um intelectual, que se afirmou até ao limite das suas forças como um social-democrata universalista.
Há só um aspecto em que espero, se engane. O comboio em que embarcou para todo o sempre não está condenado a ir a lado nenhum.
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