A anunciada proclamação unilateral da independência do Kosovo vai marcar profundamente o futuro da União Europeia. Não é, por isso, uma questão que nos seja distante, mas que terá repercussões em Portugal, que tem militares portugueses integrados na KFOR. A independência do Kosovo terá custos elevados que terão de ser suportados pela União Europeia no seu conjunto.
Escrevi sobre o Kosovo em 1998 o seguinte: “Mas não é apenas em Timor-Leste, território não autónomo, que se verificam violações sistemáticas dos direitos humanos: também, por exemplo, no Kosovo, província da Jugoslávia, que viu os seus poderes e de autonomia limitados, se tem verificado a violação sistemática dos direitos da maioria albanesa. Como se refere no relatório de 1988 da Amnistia Internacional: «Ao longo do ano, ocorreram quase diariamente incidentes nos quais a polícia espancou e maltratou pessoas de etnia albanesa, incluindo mulheres, crianças e idosos».
A violação sistemática dos direitos humanos tende a desencadear a revolta contra a injustiça e opressão que, por vezes, se traduz na violação dos direitos humanos de pessoas inocentes de forma arbitrária”, in: “Repensar A Cidadania”, Editorial Notícias.
Não pretendo com isto dizer que antecipei a independência de Timor-Leste e do Kosovo, mas apenas recordar a responsabilidade que os ultra-nacionalistas sérvios tiveram no início do processo.
Não é suficiente invocar estes factos para legitimar a independência unilateral do Kosovo, nem podemos ignorar a evolução positiva que se verificou posteriormente na Sérvia no sentido da democracia e do respeito pelos direitos humanos.
Sempre considerei um erro a tendência de muitos países da União Europeia para apoiarem com entusiasmo a fragmentação da ex-Jugoslávia, onde estive no tempo de Tito acompanhando os saudosos camaradas Mário Sottomayor Cardia e Francisco Ramos da Costa. É evidente que o direito à autodeterminação e à independência têm de ser respeitados, mas também há que assegurar internacionalmente os direitos humanos de todos e não deve ser estimulada a constituição de estados numa base «étnica» real ou imaginária.
No caso do Kosovo temos de constatar que a Sérvia não exerce a jurisdição sobre o Kosovo desde 1999, nem tem condições para a voltar a exercer, mas não podemos ignorar as preocupações da minoria sérvia, a fragilidade económica e institucional do novo Estado, nem a dimensão que assume a criminalidade organizada.
O novo Estado vai necessitar do empenhamento das Nações Unidas e da União Europeia. A União Europeia não deve, aliás, reconhecer o Kosovo em termos que sejam considerados como uma ruptura com a aproximação que vinha fazendo relativamente à Sérvia. A única solução será fazer acompanhar o reconhecimento da independência do Kosovo, com a garantia à Sérvia de um acordo de associação e de estabilização, que lhe permita confiar numa futura integração, com o Kosovo, na União Europeia.
A margem é muito estreita e a Holanda opôs-se recentemente a esta aproximação à Sérvia, com a alegação de que este país não entregou ainda ao Tribunal Penal Internacional de Haia, dois dos principais criminosos de guerra responsáveis por crimes na Bósnia. Se não é uma justificação meramente cínica, é pelo menos, uma utilização perversa da invocação da virtude a nível das relações internacionais. Depois da difícil vitória do candidato presidencial pró europeu nas eleições sérvias, não podemos virar as costas aos democratas sérvios.
Também não podemos deixar de admitir que se possam verificar efeitos perversos desta independência unilateral, com o surgimento de movimentos separatistas em outros países europeus e, particularmente, em países vizinhos.
Vivemos tempos de incerteza, as decisões como o reconhecimento da independência do Kosovo são um risco político, mas não creio que depois de tudo o que se passou desde 1999, seja possível deixar de o fazer.
A União Europeia tem de se preparar para uma longa permanência no Kosovo, como na Bósnia, de apoiar o seu desenvolvimento económico, mas terá também de assegurar o respeito pelos direitos da minoria sérvia para que possa viver em liberdade e segurança nas suas casas e no seu país.
Faço votos, neste dia da independência, que os albaneses e os sérvios se possam sentir cada vez mais como cidadãos kosovares e aprendam a viver juntos e em paz.
domingo, fevereiro 17, 2008
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