Debater a imigração legal a nível da União Europeia é um facto novo e muito positivo, mas é preciso estar atento aos não ditos e aos mitos de que é recheado este debate.
É positivo que depois de décadas de imigração zero e de Europa fortaleza pareça assumir-se que a União Europeia não poderá fazer face aos seus desafios de desenvolvimento sem o contributo dos imigrantes. É também de saudar que se fale na necessidade de criar canais que permitam a imigração legal, que alguns pretendem, e bem, que sejam rápidos e mais eficazes.
Este consenso esconde profundas divergências sobre prioridades e meios a utilizar, bem como graves erros de análise e mitos.
A questão prévia que valerá a pena colocar é que a imigração legal tem sido dificultada e mesmo impedida por todas as formas e por isso a imigração ilegal tem sido a única possibilidade de imigração. É certo que como referia recentemente o vice-presidente da Comissão responsável pela Justiça e Assuntos Internos, Franco Frattini, numa entrevista concedida a Teresa de Sousa «Não podemos transformar a ilegalidade na normalidade» (Público, 14/11/2007). É verdade, mas é preciso acrescentar que a culpa desta situação foi, primeiro que tudo, de não ser possível imigrar legalmente e deveriam saudar os países que assumiram sem hipocrisias a existência de imigrantes em situação irregular e procederam às legalizações que consideraram necessárias no uso de um direito que ainda dispõem e que, continuarão a dispor nos próximos anos definir quantos imigrantes legais admitem no seu país. A Espanha deve grande parte da sua actual prosperidade à forma aberta como integrou milhares e milhares de imigrantes em situação irregular.
Desde logo e sem pretender ser exaustivos, o consenso tem interpretações diversas.
Os países de pequena dimensão, como a Eslovénia, Chipre e Malta, não têm a mesma sensibilidade e necessidade de imigrantes como a Espanha, a Polónia ou Portugal. Vários países têm apenas os seus horizontes virados para Leste ou para os seus vizinhos mais próximos, não têm as relações tradicionais com África ou com as Américas de Portugal, Espanha, Itália, França, Reino Unido ou Holanda.
Existem muitos problemas não resolvidos que dificultam o debate. É necessário acabar com as limitações à livre circulação entre todos os Estados-Membros da União Europeia, não mantendo limitações aos novos aderentes. Permitir essa circulação terá duas vantagens. A primeira demonstrar que não é a livre circulação desses nacionais que vai substituir a necessidade de imigrantes. Esses países estão também a envelhecer rapidamente. Apenas a Turquia, que está ainda longe de se integrar na União Europeia, é que poderia dar um contributo demográfico (e não só) positivo. Outro escândalo que há que resolver é a exclusão dos cipriotas turcos da União Europeia, que já demonstraram pretendê-lo. Tem que se conseguir a unidade de Chipre.
Fala-se actualmente em imigração legal, mas parte-se do princípio de que se pretendem apenas profissionais altamente qualificados e diz-se com razão que estes na sua maioria tem preferido imigrar para os Estados Unidos, Canadá, ou a Austrália, pelo que se propõe criar uma carta azul para facilitar essa admissão e circulação. Tudo isto esconde o facto que é necessário repetir, a União Europeia precisa muito e irá continuar a precisar de trabalhadores não especializados, como o poderão testemunhar, por exemplo, os agricultores e as famílias que pretendem cuidar de forma humana dos seus idosos.
O facto de se ter realizado nos passados dias 13 e 14 do corrente mês, em Lisboa, uma conferência de Alto Nível sobre Imigração Legal no quadro da Presidência portuguesa da União Europeia é um facto muito positivo, bem como as intervenções feitas nesse quadro, quer pelo Primeiro-Ministro José Sócrates, quer pelo Ministro da Administração Interna, Rui Pereira, quer as conclusões anunciadas por Rui Pena Pires, na qualidade de Comissário da Conferência.
Nada, contudo, autoriza que deixemos de ficar atentos e vigilantes sobre a sequência dos debates e sobre a redacção em concreto das directivas que foram anunciadas pelo vice-presidente da Comissão, Franco Frattini: a relativa aos direitos dos nacionais de países terceiros com emprego legal num Estado membro sem estatuto de residente de longa duração e sobre as condições de admissão e residência de trabalhadores altamente qualificados. De saudar o facto de Frattini defender que a carta dos direitos dos imigrantes que irá apresentar, pretende criar uma base mínima de direitos, que não impedirá os Estados de ser mais generosos no reconhecimento de direitos. É um procedimento que deveria ser sempre adoptado.
É importante acrescentar que as intervenções dos três painéis, a saber sobre canais de imigração legal e gestão de fluxos migratórios, integração e agenda de Lisboa, e migrações e desenvolvimento, foram quase todas de qualidade. Seria bom que viessem a ser publicadas para responsabilizar os que as proferiram e para poderem ser instrumentos de debate alargado.
Outras questões estão em debate relativamente às quais é importante estar atento. É o caso do sancionamento dos empregadores que utilizam trabalhadores em situação irregular. Este debate é necessário, mas não pode viver de falsidades. Não se pode fazer de conta que a Holanda é um país modelo na limitação dos fluxos de imigrantes, escamoteando que a agricultura deste país, como foi bem explicado pelo Professor Hein de Haas, holandês, que ensina na Universidade de Oxford, é externamente concorrencial com base na utilização de imigrantes em situação irregular, o que aliás, como exemplificou, também se verifica noutros países europeus.
Será também necessário para melhor combater o tráfico de pessoas, distinguir combate à imigração ilegal e combate ao tráfico de pessoas.
Em síntese, a Conferência, foi um contributo importante para um debate necessário de que os imigrantes, os agentes económicos e os sindicatos, não podem estar mudos e ausentes.
domingo, setembro 16, 2007
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