domingo, julho 09, 2006

PARIDADE, IGUALDADE E CIDADANIA

A Assembleia da República aprovou esta semana uma nova versão da lei da paridade, proposta pelo Partido Socialista, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos.
A apresentação da proposta de lei teve em conta o facto da Constituição da República Portuguesa prever no artigo 9.º, entra as tarefas fundamentais do Estado, a de promover a igualdade entre homens e mulheres. O artigo 109.º acrescenta que: “A participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui o instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função de sexo no acesso a cargos políticos”.
Não podemos ignorar que se trata de matéria controversa, mas há um argumento que tem sido aduzido em sua defesa, que só por si a justifica. É verdade que em todas as áreas em que o recrutamento se faz por mérito as mulheres tendem a estar mais equitativamente representadas, como acontece, por exemplo, nas magistraturas. Há, contudo, áreas em que as mulheres apesar da elevada taxa de actividade laboral e da crescente qualificação, estão sub-representadas, são as áreas em que o critério de recrutamento não é o mérito, mas a cooptação. É o que acontece com a actividade política, os partidos são, sem excepção, estruturas em que as redes de poder são masculinas e a cooptação se faz na base da confiança. Neste contexto, as mulheres, mesmo qualificadas e competentes do ponto de vista político são sistematicamente sub-representadas. Não há dúvida que este argumento é pertinente. Com esta lei, caso venha a ser promulgada, terão forçosamente de serem incluídas mais mulheres e desta forma, atenuar-se-á a desigualdade. Sempre considerei esta discriminação inaceitável. Apoiei activamente a eleição da primeira mulher que foi eleita secretária-geral de uma organização política juvenil, a Margarida Marques na Juventude Socialista, e propus, quando me candidatei à Concelhia de Lisboa do Partido Socialista, a lista mais paritária até agora apresentada em qualquer eleição interna (metade/metade). Não posso por isso deixar de considerar positiva a preocupação que a lei traduz.
Deixo, contudo, um alerta que tenho visto que é formulado por muitas cidadãos e cidadãs, não basta haver mais igualdade de género, é preciso lutar pela qualidade da representação seja ela assegurada por homens ou mulheres. Não deixa de ser paradoxal que o aumento de número de mulheres, designadamente, na Assembleia da República, possa coexistir com o afastamento de mulheres, com provas dadas, quer do ponto de vista técnico, quer político.
Por outras palavras não basta mais paridade é também necessário, criar práticas de cidadania mais exigente a nível dos partidos, no seu funcionamento interno a todos os níveis, incluindo ao nível da elaboração das listas. Se assim não for as boas intenções a que obedece esta iniciativa serão desvirtuadas. A paridade só faz sentido, como instrumento de mais igualdade, se for acompanhada de mais cidadania e menos cooptação dos ou das que não fazem sombra.

PS. 1 - Sophia de Mello Breyner Andresen morreu em 2 de Julho de 2004, há portanto dois anos. Tenho uma dívida de gratidão para com Sophia, que descobri como poeta através do “Livro Sexto”, quando tinha dezasseis anos, de quem depois li, com entusiasmo, “Os Contos Exemplares” e depois disso todos os livros de poesia que publicou.
A obra de Sophia passou desde então a ser para mim uma referência permanente como poeta, mas também o seu exemplo de empenhamento, como cristã e cidadã. Não se podem esquecer, palavras com as que proferiu quando lhe foi entregue o Grande Prémio de Poesia atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores a “Livro Sexto”: “Quem procura uma relação justa com a pedra, com uma árvore, com o rio é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem”.
Sophia era animada por uma confiança num sentido positivo da história, a confiança no progresso das coisas do Padre Teilhard de Chardin, A sua fé tinha presente o Deus criador, cuja obra continuava, procurando transformar o caos em cosmos, dando nome às coisas. Recordemos o excelente livro de poesia “O Nome das Coisas”. Amava a clareza, a verdade e a beleza. Contou-me que, uma vez, maravilhada com a beleza de uma ilha grega e depois de ter entrado no mar agradeceu a Deus por ter existido. Foi com surpresa, que descobriu mais tarde o mesmo agradecimento em Santa Clara de Assis. Mas, ao contrário, dos que são desatentos aos outros, Sophia afirmava: “Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo”, daí o seu compromisso para reduzir o sofrimento evitável, contra tudo o que tendia a aumentá-lo.
Sophia, para além dos livros que escreveu, concedeu algumas entrevistas notáveis, designadamente a Maria Armanda Passos e Eduardo Prado Coelho, que seria interessante serem reunidas e publicadas.
Para além disso, seria interessante, que alguém tomasse a iniciativa de editar em DVD, o documentário que sobre ela realizou João César Monteiro, de modo a torná-la presente às gerações mais jovens.
2 - António Marujo, jornalista do “Público” recebeu no passado dia 6 de 2006, o prémio da Conferência das Igrejas Europeias para jornalistas da imprensa não-confessional que tratam informação religiosa. O prémio foi-lhe entregue na catedral da Igreja Lusitana (Anglicana) de Lisboa, em Santos-o-Velho. Não tendo podido estar presente na cerimónia não podia deixar de registá-lo aqui. António Marujo é um jornalista de grande qualidade, cultura, e rigor, que tem tratado há vários anos, com persistência e profissionalismo, a informação religiosa, tendo também elaborado dossiers de grande qualidade em áreas sociais, como por exemplo, a pobreza em Portugal.
Para os que não ganharam ainda o hábito de o ler regularmente, sugiro que leiam os textos que escreveu no Mil Folhas, Público, 8 de Julho de 2006, intitulados “Em busca do cristianismo plural das origens” e “Novidades para um debate teológico”. Neles aborda as questões colocadas pela publicação recente, em português, de duas edições do “Evangelho de Judas” e dos “Manuscritos do Mar Morto”.

1 comentário:

jomanros disse...

Neste final de domingo a leitura deste artigo foi uma terapia cultural que me desintoxicou o espírito após os inevitáveis excessos mediáticos do mundial de 2006. Foi como que um tempero de muito bom gosto em cima de comida insípida. Recordar Sofia é obrigatório. Amar a natureza como ela amou e jogar com as palavras de uma forma linda é sempre uma lufada de oxigénio indispensável para o equilíbrio humano. E a leitura deste blog está a ser um vício cada vez mais saudável.Principalmente quando andamos todos anestesiados em excessos mediáticos e futebolísticos que quase fazem subvalorizar o esforço da valorosa equipa nacional. Há que haver equilíbrio porque não é só em "futebolês" que somos bons... Leiam Sofia, leiam mais poetas e escritores portugueses e menos cabeçalhos jornalísticos, ou então, pelo menos, acompanhem sempre este blog. Acabou o mundial e a anestesia está a passar...