segunda-feira, abril 28, 2014
sábado, abril 19, 2014
SE DEUS FOSSE UM ATIVISTA DOS DIREITOS HUMANOS
Boaventura de Sousa Santos
constrói a sua argumentação a partir da constatação de que, por um lado, a
grande maioria da população mundial não é sujeita de direitos humanos e de uma
pergunta “(…) sendo os direitos humanos a
linguagem hegemónica da dignidade humana (..) os grupos sociais oprimidos não
podem deixar de perguntar se os direitos humanos sendo parte da mesma hegemonia que consolida e legitima a opressão, não poderão ser usados para a subverter? (…)
de modo contra-hegemónico?” O que conduz a outras perguntas, nomeadamente,
sobre que outras linguagens de dignidade existem no mundo e se existindo, são compatíveis com a linguagem
dos direitos humanos.
É a partir deste pondo de partida
que se dá o encontro crítico com as teologias políticas inspiradas pelo
cristianismo, islamismo e judaísmo, bem como uma análise sobre as zonas de
contacto dos direitos humanos com as teologias políticas.
Segundo Boaventura de Sousa
Santos “Estes movimentos, crescentemente
globalizados, e as teologias políticas que os sustentam constituem uma
gramática de defesa da dignidade humana que rivaliza com a que subjaz aos
direitos humanos e muitas vezes a contradiz. As conceções e práticas
convencionais ou hegemónicas dos direitos humanos não são capazes de enfrentar
esses desafios nem sequer imaginam que seja necessário fazê-lo.”
São particularmente estimulantes
do debate teológico e político os termos da resposta que procura dar aos
desafios referidos, que designa como uma conceção pós-secularista dos direitos
humanos, e o laço de cumplicidade que considera possível estabelecer entre o
que denomina os direitos humanos contra-hegemónicos e teologias progressistas.
A luta contra o sofrimento humano
injusto, contra a trivialização do sofrimento humano nos nossos dias, parece
poder permitir ligar o retorno de Deus a um humanismo insurgente,
trans-moderno, concreto.
São muitas e contraditórias as
teologias políticas, que se afrontam atualmente, das teologias fundamentalistas
às que denomina teologias progressistas, as quais considera “podem ajudar a recuperar a «humanidade» dos
direitos humanos”.
O seu argumento resume-se nestes
termos.”(…) um diálogo entre os direitos
humanos e as teologias progressistas é não só possível como é provavelmente um
bom caminho para desenvolver práticas verdadeiramente interculturais e
mais eficazmente emancipadoras (…) o resultado será uma ecologia de concepções
de dignidade humana, algumas seculares, outras religiosas(…)”.
Assentando num amplo conhecimento, inclusive, das
teologias de libertação é, pela força das coisas, um livro inacabado. Muitas
páginas estão-lhe a ser acrescentadas, o que é também um elogio, pelas lutas
libertadoras no mundo, designadamente, de hegemonia islâmica, conduzidas por
mulheres e homens animados pela fé islâmica, mas também por outros, igualmente muçulmanos, cristãos, ou agnósticos, que baseiam
o seu combate libertador em leituras seculares do islão, que desconfiam das
teologias políticas islâmicas mesmo as que têm um registo libertador.
É um livro de leitura e de debate incontornável. Pretendemos sinalizar a sua importância, concordando com a linha geral da sua argumentação.
domingo, abril 13, 2014
RECORDAR O 10.º ANIVERSÁRIO DO 25 DE ABRIL- UMA COMEMORAÇÃO DIFERENTE
MODERNIZAR A ESQUERDA, COMEMORAR A LIBERDADE
Foi assim possível um encontro
entre cidadãos com trajetos políticos muito diferentes, entre os quais alguns
socialistas, que decidiram comemorar a liberdade contribuindo para a
modernização da esquerda.
Foi um momento de convergência a
que se seguiram percursos diferentes.
Considero que não devemos
esquecer esse momento, e por isso divulgo, o manifesto e os seus subscritores
deixando uma palavra de profunda mágoa e saudade para todos os que já morreram.
Eis o texto e a lista de todos os
que o subscreveram.
“Vinte e cinco cidadãos genericamente oriundos da esquerda radical
decidiram comemorar o 25 de Abril de maneira diferente. E a diferença
consistirá em não reduzir o festejo à glorificação acrítica do que foi feito -
mas em aproveitar a data, para questionar a própria cultura política da esquerda
tradicional, os seus mitos e os seus fantasmas, pensando novos caminhos para
modernizar o País.
Para nós, festejar o 25 de Abril não é subscrever os tradicionais
cheques em branco a favor das 2conquistas irreversíveis da revolução”. È
essencialmente celebrar a democracia política e a liberdade. Comemorar o fim do
colonialismo e do regime corporativo que o promoveu. É festejar a consagração
da cidadania e dos direitos dos trabalhadores, é festejar a dinâmica da
liberalização de costumes, da emancipação das mulheres e dos jovens, da despenalização
do sexo e do prazer. É festejar o despontar da modernidade na sociedade
portuguesa.
Festejar o 25 de Abril será também questionar valores tradicionalmente
associados à esquerda, confrontá-los com os resultados efectivamente alcançados
e com as realidades de um mundo em acelerada mutação.
Com este duplo objectivo de festejo - debate, e promovemos no próximo
dia 25 de Abril uma iniciativa pública no Restaurante da Doca Marítima de
Alcântara: pelas 12 horas inicia-se um debate aberto a que se seguirá um
jantar-festa.(…).”.
O texto definia desde logo os
termos do debate e as questões a que se deveria responder, concluindo-se:
“ Naturalmente como pano de fundo de todos estes problemas (e de outros
que poderão obviamente surgir) encontra-se uma das questões centrais para os
que se reivindicam uma cultura de esquerda moderna e anti-totalitária, ou seja,
a questão das relações entre o Estado democrático e a sociedade civil, entre a
intervenção estatal e a liberdade individual, entre a protecção social e a
iniciativa de cada um”.
Terminava “ Sob o signo da liberdade vamos festejar o 25 de Abril e desafiar o
futuro”.
Subscreveram: Acácio Barreiros
(dputado), Afonso de Barros (prof. universitário), Agostinho Roseta (func.
público) Alberto Teixeira Ribeiro (sociólogo), António Bento (engenheiro),
António Carriço (engenheiro), António Corvelo (jurista), António Costa Pinto
(assistente universitário), Armando Castro (prof. universitário), edgar Rocha
(economista), Eurico Figueiredo (prof. universitário), Fernando Ribeiro Mendes
(assistente universitário), Ferro Rodrigues (economista), João Carlos Espada (jornalista), João Faria (economista), João ferreira de Sousa (prof.
universitário), Joffre Justino (economista), José Leitão (deputado), José Luís
Saldanha Sanches (assistente universitário), José Manuel Félix Ribeiro
(economista), José Pacheco Pereira (historiador), Luís Borges (emp.
escritório), Manuel Vilaverde Cabral (prof. unversitário), Ramiro da Costa
(istoriador) Teresa de Sousa( jornalista)
domingo, abril 06, 2014
A ATUALIDADE DO GESTO DE ARISTIDES DE SOUSA MENDES
O gesto de Aristides de Sousa Mendes ao recusar a
indiferença perante a sorte dos refugiados que afluíam ao Consulado de Bordéus,
fugindo do avanço nazi, foi um gesto de solidariedade, diria mesmo, de
fraternidade, que não foi fácil de tomar nesses tempos sombrios, em que o
cálculo egoísta, a cobardia, a demissão dos bons permitiam que se afirmasse e
expandisse, o que a filósofa Hannah Arendt denominou como a "banalidade do
mal".
O gesto de Aristides de Sousa Mendes inscreve-se numa
lógica de resistência à “banalidade do mal” em nome da sua consciência cristã,
que o levava a obedecer primeiro a Deus que aos homens perante milhares de
refugiados que procuravam salvar a sua vida.
Como referiu na sua defesa no processo disciplinar que lhe foi instaurado: "Era realmente meu objetivo «salvar toda aquela gente», cuja aflição era indescritível: uns tinham perdido os seus cônjuges, outros não tinham notícias dos filhos extraviados, alguns haviam visto sucumbir pessoas queridas sob os bombardeamentos alemães que todos os dias se renovavam e não poupavam os fugitivos apavorados. Quantos tiveram de inumá-los, antes de prosseguirem na louca correria da fuga!»"
Como referiu na sua defesa no processo disciplinar que lhe foi instaurado: "Era realmente meu objetivo «salvar toda aquela gente», cuja aflição era indescritível: uns tinham perdido os seus cônjuges, outros não tinham notícias dos filhos extraviados, alguns haviam visto sucumbir pessoas queridas sob os bombardeamentos alemães que todos os dias se renovavam e não poupavam os fugitivos apavorados. Quantos tiveram de inumá-los, antes de prosseguirem na louca correria da fuga!»"
Refere com clareza diversas situações e cidadãos de
diferentes origens e nacionalidades, acrescentando: "Com efeito, eram numerosos
entre os fugitivos, os oficiais dos exércitos dos países ocupados
anteriormente, austríacos, checos e polacos, os quais seriam fuzilados como
rebeldes; eram igualmente numerosos os belgas, holandeses, franceses,
luxemburgueses e até ingleses, que seriam submetidos ao duro regime dos campos
de concentração alemães; havia intelectuais eminentes, artistas de renome,
homens de Estado, diplomatas, da mais alta categoria, grandes industriais e
comerciantes, etc., que teriam a mesma sorte.
Muitos deles eram judeus, que, já perseguidos antes,
procuravam angustiosamente escapar aos horrores de novas perseguições, por fim
um sem número de mulheres de todos os países invadidos que procuravam evitar
ficar à mercê da brutal sensualidade teutónica".
A Fundação Aristides de Sousa Mendes sempre associou a
divulgação e defesa dos direitos humanos ao legado de Aristides de Sousa Mendes.
Temos de nos interrogar se nos nossos tempos não estamos também na Europa a ser cúmplices da “banalidade do mal”, naturalmente noutras formas e noutras dimensões.Como não recordar as palavras do Papa Francisco em Lampedusa que não se calou perante os milhares de imigrantes que têm ficado sepultados no mar, quando procuravam refúgio na Europa.Disse ele:“ (…)Quem de nós chorou por este facto e pelos factos como este?”. Quem chorou pela morte destes irmãos e irmãs? Quem chorou por tantas pessoas que estavam no barco? Pelas jovens mães que levavam as suas crianças? Por estes homens que desejavam alguma coisa para sustentar as próprias famílias? Estamos numa sociedade que esqueceu a experiência do chorar, do “«adecer com»: a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar! (..) E insistiu na pergunta que também nos é dirigida: «Quem chorou?». «Quem chorou hoje no mundo?»".
Temos de nos interrogar se nos nossos tempos não estamos também na Europa a ser cúmplices da “banalidade do mal”, naturalmente noutras formas e noutras dimensões.Como não recordar as palavras do Papa Francisco em Lampedusa que não se calou perante os milhares de imigrantes que têm ficado sepultados no mar, quando procuravam refúgio na Europa.Disse ele:“ (…)Quem de nós chorou por este facto e pelos factos como este?”. Quem chorou pela morte destes irmãos e irmãs? Quem chorou por tantas pessoas que estavam no barco? Pelas jovens mães que levavam as suas crianças? Por estes homens que desejavam alguma coisa para sustentar as próprias famílias? Estamos numa sociedade que esqueceu a experiência do chorar, do “«adecer com»: a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar! (..) E insistiu na pergunta que também nos é dirigida: «Quem chorou?». «Quem chorou hoje no mundo?»".
Evocarmos o gesto de Aristides de Sousa Mendes não
significa apenas olhar para trás para tempos relativamente aos quais temos o
dever de memória para que nunca mais se repitam. É necessário retirar do gesto
de Aristides de Sousa Mendes ensinamentos para o presente e para a construção
de um futuro, que corresponda inteiramente para todos, ao que ficou consagrado
no art.1.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: «Todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e
de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade».
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