A situação do Médio Oriente tem a ver com o quotidiano de todos nós. Israel, o Líbano, a Palestina têm profundas e diversificadas ligações ao espaço euro-mediterrâneo em que nos inserimos.
Não é fácil falar do conflito para quem não distingue vítimas civis, sejam elas libanesas, israelistas ou palestinianas e condena a violência que as atinge a todas sejam os seus autores milícias ou exércitos regulares e condena quer o anti-semitismo, quer a islamofobia.
Não podemos contudo ficar calados perante a escalada da violência e da guerra e temos de arriscar juízos discutíveis porque desejamos uma paz duradoura para a região, se possível sem vencedores e sem vencidos.
Não nos podemos calar porque pensamos que a passividade da comunidade e, sobretudo, das instituições internacionais, tem enorme responsabilidade na situação a que se chegou.
Participei, como responsável da delegação portuguesa, em 2001 nas longas e difíceis negociações que precederam a aprovação de uma resolução sobre o Médio Oriente na Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Conexa, realizada em Durban (África do Sul) e tenho bem a noção da extrema complexidade da situação no Médio Oriente e da dificuldade de construir uma paz duradoura na região, mas creio que não sairemos desta situação se não conseguirmos dar passos decisivos nessa direcção.
Uma demonstração dessa demissão está ser dada pela União Europeia. Se não fosse a iniciativa do Ministro dos Negócios Estrangeiros Português, Luís Amado, não se realizaria neste período estival uma reunião extraordinária dos Ministros dos Estrangeiros da Europa para discutir a situação do Médio Oriente e qual o papel que cabe à Europa na procura de uma solução para o conflito.
O conflito actual vem tornar claro que a ausência de uma solução duradoura e garantida pelas Nações Unidas para o conflito israelo-palestiniano, bem como a errada intervenção americana no Iraque contribuíram para o fortalecimento de partidos armados, que procuram utilizar referências assentes em versões manipuladas politicamente do islamismo. O Hezbollah é o exemplo mais significativo desta nova realidade, sem esquecermos que no passado saudou a primeira intervenção de Israel no Líbano.
A diplomacia tem de ser incansável e criativa se quisermos construir a paz enquanto o conflito não alastra mais e a Síria ou o Irão não intervêm. A atitude de prudente expectativa e de condenação inclusive do Hezbollah por parte de países como o Egipto ou a Arábia Saudita abrem uma janela de oportunidade que não pode ser desaproveitada.
Não há soluções fáceis nem milagrosas, mas creio que uma paz duradoura exige mais do que um urgente cessar-fogo, a libertação dos três militares israelitas raptados e o fim da intervenção militar israelita. Exige o fortalecimento do Estado libanês, o país que mais tem sofrido com as sequelas do conflito israelo-palestiniano, um povo plural, do ponto de vista cultural e espiritual, que pode voltar a ser uma democracia exemplar. Vão ser necessárias forças de paz para permitir às forças armadas libanesas exercer a sua soberania sobre todo o seu território inclusive o sul do Líbano e desmilitarizar o Hezbollah.
Se tudo isto aparece como mais urgente, não creio que seja possível concretizá-lo sem avanços significativos em matéria de reconhecimento de um Estado Palestiniano com fronteiras negociadas e, simultaneamente, o reconhecimento pela Presidência e Governo palestinianos do Estado de Israel com o efectivo compromisso de reprimir a acção do grupos terroristas que procurem promover atentados em Israel.
Só dessa forma será talvez possível separar a Síria do Irão.
O futuro da democracia na região não terá como impulsionadora a situação do Iraque que continuará ainda por muito tempo numa situação de trágico conflito interno.
Se a comunidade internacional se empenhar a fundo será a partir de Estados como Israel, o Líbano, a Jordânia e a Palestina, que a democracia qual pequena luz frágil poderá ganhar raízes na região.
Também por tudo isto é urgente a paz e a paz não se constrói com mais guerra, mas com um esforçado, inteligente e ousado empenhamento diplomático das Nações Unidas, dos Estados Unidos, da União Europeia, dos Estados Árabes.
P.S.- Estão por estudar as antigas e profundas ligações entre o Líbano, Portugal e o Brasil. José Rodrigues dos Santos fez uma excelente reportagem na RTP sobre uma aldeia sunita no sul do Líbano, onde o português era uma língua falada (e bem) por muitos dos habitantes. Na Guiné-Bissau há muitas famílias de origem libanesa, mas é no Brasil que vivem praticamente tantos brasileiros de origem libanesa, como o número de libaneses que vivem no Líbano. Significa isto que deverão existir três a quatro milhões de pessoas de origem libanesa, que falam também português e vivem no Brasil.
Mais uma razão afectiva a juntar às racionais para nos sentirmos envolvidos com a guerra no Líbano e nos empenharmos na construção da paz, no Médio Oriente, onde Israel tem também muitos milhares de cidadãos a que nos ligam laços de cultura e /ou de sangue profundos e sofridos como resultado de uma história, em que muitos dos seus antepassados foram injustiçados neste país, que também é seu.
domingo, julho 30, 2006
domingo, julho 23, 2006
CPLP - DESEJO DE FUTURO
A realização nos passados dias 16 e 17 de Julho, em Bissau, da VI Conferência de Chefes de Estados e de Governo e da XI Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é um facto portador de um futuro à altura dos nossos desejos se desde já nos batermos de forma exigente pela concretização das promessas que o projecto encerra.
A Cimeira de Bissau foi bem organizada e mobilizou o empenho e o entusiasmo dos guineenses, demonstrado no clima de festa em que terminou, o que é um facto positivo que deve ser assinalado.
É justo constatar que foram realizadas muito mais iniciativas do que os cidadãos têm a noção, que muitos projectos importantes estão a tornar-se realidades, mas que em tudo isto falta nervo, liderança, uma agenda clara, determinação e continuidade. Dizemo-lo porque a constituição da CPLP, em 17 de Julho de 1996, foi, para muitos de nós, um dia de uma imensa esperança no futuro de aproximação e estreitamento de laços não só entre aos Estados de Língua Portuguesa, mas entre os seus cidadãos. Continuamos a considerar a CPLP «A desejada sigla» para citar o título de um estimulante artigo de Eduardo Prado Coelho, Público, 21/07/2006, e disponíveis para lutar pela concretização dos seus objectivos.
Temos de inscrever no activo da CPLP o ter-se criado uma vasto conjunto de iniciativas, motivadas pelo simples facto da sua existência, embora nem sempre a CPLP consiga depois funcionar como um catalisador.
A CPLP precisa de apostar na divulgação das suas iniciativas em tempo real. É de lamentar que não tenhamos ainda no portal da CPLP todos os documentos aprovados em Bissau, como se pode comprovar aqui, no dia em que editamos este post.
Na impossibilidade de referir todas as áreas que estiveram em discussão em Bissau, gostaria de registar o exemplo de iniciativas em concretização que não são suficientemente conhecidas e de outras que, considero, prioritário privilegiar.
É importante saber que houve progressos significativos em matéria de Cidadania e Circulação de pessoas no espaço da CPLP, mas que, como se afirma na Resolução «se torna necessário avançar no sentido da efectiva e completa implementação».
Estão já em vigor cinco Acordos aprovados em Brasília, sobre circulação de pessoas, a saber: Acordo sobre Vistos de Múltiplas Entradas, para homens e mulheres de negócios, profissionais liberais, cientistas, desportistas, investigadores, jornalistas e agentes de cultura; Acordos sobre Requisitos para Vistos de Curta Duração; Acordos Sobre Vistos Temporários para Tratamento Médico; Acordo sobre Isenção de Taxas; Acordos sobre o Estabelecimento de Balcões Específicos nos Postos de Entrada e Saída para o Atendimento de Cidadãos da CPLP. Vale a pena ver como estão divulgados em Portugal aqui, veja os vídeos, mas ainda não no portal da CPLP. Em Bissau, foi dado um impulso, que queremos que seja decisivo, para a implementação do Observatório dos Fluxos Migratórios da CPLP, bem como para “aprofundar a reflexão sobre o Estatuto do Cidadão da CPLP, bem como sobre outras questões relevantes no âmbito da cidadania e circulação de pessoas no espaço da Comunidade”.
Uma área estratégica, em que há muito por fazer, é a relativa ao Instituto de Língua Portuguesa. Tem de ter um programa e um orçamento e uma liderança determinada, que contribua para a afirmação da Língua Portuguesa, com a riqueza que todos os seus falantes lhe acrescentam, como uma língua de cultura, de ciência e de tecnologia, cuja utilização seja obrigatória em todas as principais instituições internacionais.
Não basta registar o compromisso dos Estados da CPLP para desenvolver projectos no âmbito das tecnologias da informação, ou a afirmação de que estão conscientes da importância da Internet (porque não utilizar Rede?) para a promoção e divulgação da Língua Portuguesa. São precisos projectos exigentes e concretizáveis. Pode desde já, estimular-se, paralelamente, o intercâmbio dos sítios e blogues na Rede em Língua Portuguesa. Pela nossa parte estamos disponíveis para colaborarmos com blogues de todos os países da CPLP, incluindo dos Estados observadores associados admitidos na Cimeira de Bissau, a Guiné - Equatorial e as Maurícias, para contribuirmos para a realização dos objectivos da CPLP.
Eduardo Prado Coelho conclui o seu artigo, afirmando: «Trata-se de uma ideia ambiciosa [CPLP] que é urgente concretizar. Ficamos à espera. A CPLP só pode vir do futuro».
Partilhamos com Eduardo Prado Coelho esse desejo do futuro, mas lembramos, com amizade, a canção brasileira, que nos ensinou «Bem vamos embora/Que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer».
A CPLP exige de nós actos de cidadania exigente, mas temos o dever de contribuir com o nosso empenhamento nas áreas em que o pudemos fazer na concretização dos seus objectivos.
Penso que temos de ser exigentes para com os Governos, os Parlamentos, o Secretariado Executivo da CPLP e com as entidades que têm responsabilidades nestas matérias. Deixo mais alguns exemplos. É fundamental criar, como foi aprovado, um portal da Lusofonia no domínio da Propriedade Industrial.
É fundamental que a Associação das Universidades de Língua Portuguesa prossiga com sucesso a colocação das universidades num sistema de rede, como referiu Eduardo Prado Coelho.
Os Governos e os Parlamentos têm a obrigação de avançar decisivamente na institucionalização de uma Assembleia Parlamentar da CPLP, que deverá ser um órgão da estrutura da CPLP. Para que seja uma instância activa e não burocrática deveria reconhecer-se no Estatuto dos Cidadãos da CPLP, a possibilidade dos cidadãos de qualquer dos seus Estados-membros poderem dirigir-lhe petições e propostas de iniciativa popular sobre matérias relevantes para a concretização dos objectivos da CPLP, que seriam obrigatoriamente apreciadas se reunissem um certo número de proponentes, de mais do que dois Estados-membros.
No que se refere á CPLP, como em tudo, o sonho comanda a vida, o desejo de futuro deve estimular a nossa intervenção através de uma cidadania transnacional exigente.
A Cimeira de Bissau foi bem organizada e mobilizou o empenho e o entusiasmo dos guineenses, demonstrado no clima de festa em que terminou, o que é um facto positivo que deve ser assinalado.
É justo constatar que foram realizadas muito mais iniciativas do que os cidadãos têm a noção, que muitos projectos importantes estão a tornar-se realidades, mas que em tudo isto falta nervo, liderança, uma agenda clara, determinação e continuidade. Dizemo-lo porque a constituição da CPLP, em 17 de Julho de 1996, foi, para muitos de nós, um dia de uma imensa esperança no futuro de aproximação e estreitamento de laços não só entre aos Estados de Língua Portuguesa, mas entre os seus cidadãos. Continuamos a considerar a CPLP «A desejada sigla» para citar o título de um estimulante artigo de Eduardo Prado Coelho, Público, 21/07/2006, e disponíveis para lutar pela concretização dos seus objectivos.
Temos de inscrever no activo da CPLP o ter-se criado uma vasto conjunto de iniciativas, motivadas pelo simples facto da sua existência, embora nem sempre a CPLP consiga depois funcionar como um catalisador.
A CPLP precisa de apostar na divulgação das suas iniciativas em tempo real. É de lamentar que não tenhamos ainda no portal da CPLP todos os documentos aprovados em Bissau, como se pode comprovar aqui, no dia em que editamos este post.
Na impossibilidade de referir todas as áreas que estiveram em discussão em Bissau, gostaria de registar o exemplo de iniciativas em concretização que não são suficientemente conhecidas e de outras que, considero, prioritário privilegiar.
É importante saber que houve progressos significativos em matéria de Cidadania e Circulação de pessoas no espaço da CPLP, mas que, como se afirma na Resolução «se torna necessário avançar no sentido da efectiva e completa implementação».
Estão já em vigor cinco Acordos aprovados em Brasília, sobre circulação de pessoas, a saber: Acordo sobre Vistos de Múltiplas Entradas, para homens e mulheres de negócios, profissionais liberais, cientistas, desportistas, investigadores, jornalistas e agentes de cultura; Acordos sobre Requisitos para Vistos de Curta Duração; Acordos Sobre Vistos Temporários para Tratamento Médico; Acordo sobre Isenção de Taxas; Acordos sobre o Estabelecimento de Balcões Específicos nos Postos de Entrada e Saída para o Atendimento de Cidadãos da CPLP. Vale a pena ver como estão divulgados em Portugal aqui, veja os vídeos, mas ainda não no portal da CPLP. Em Bissau, foi dado um impulso, que queremos que seja decisivo, para a implementação do Observatório dos Fluxos Migratórios da CPLP, bem como para “aprofundar a reflexão sobre o Estatuto do Cidadão da CPLP, bem como sobre outras questões relevantes no âmbito da cidadania e circulação de pessoas no espaço da Comunidade”.
Uma área estratégica, em que há muito por fazer, é a relativa ao Instituto de Língua Portuguesa. Tem de ter um programa e um orçamento e uma liderança determinada, que contribua para a afirmação da Língua Portuguesa, com a riqueza que todos os seus falantes lhe acrescentam, como uma língua de cultura, de ciência e de tecnologia, cuja utilização seja obrigatória em todas as principais instituições internacionais.
Não basta registar o compromisso dos Estados da CPLP para desenvolver projectos no âmbito das tecnologias da informação, ou a afirmação de que estão conscientes da importância da Internet (porque não utilizar Rede?) para a promoção e divulgação da Língua Portuguesa. São precisos projectos exigentes e concretizáveis. Pode desde já, estimular-se, paralelamente, o intercâmbio dos sítios e blogues na Rede em Língua Portuguesa. Pela nossa parte estamos disponíveis para colaborarmos com blogues de todos os países da CPLP, incluindo dos Estados observadores associados admitidos na Cimeira de Bissau, a Guiné - Equatorial e as Maurícias, para contribuirmos para a realização dos objectivos da CPLP.
Eduardo Prado Coelho conclui o seu artigo, afirmando: «Trata-se de uma ideia ambiciosa [CPLP] que é urgente concretizar. Ficamos à espera. A CPLP só pode vir do futuro».
Partilhamos com Eduardo Prado Coelho esse desejo do futuro, mas lembramos, com amizade, a canção brasileira, que nos ensinou «Bem vamos embora/Que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer».
A CPLP exige de nós actos de cidadania exigente, mas temos o dever de contribuir com o nosso empenhamento nas áreas em que o pudemos fazer na concretização dos seus objectivos.
Penso que temos de ser exigentes para com os Governos, os Parlamentos, o Secretariado Executivo da CPLP e com as entidades que têm responsabilidades nestas matérias. Deixo mais alguns exemplos. É fundamental criar, como foi aprovado, um portal da Lusofonia no domínio da Propriedade Industrial.
É fundamental que a Associação das Universidades de Língua Portuguesa prossiga com sucesso a colocação das universidades num sistema de rede, como referiu Eduardo Prado Coelho.
Os Governos e os Parlamentos têm a obrigação de avançar decisivamente na institucionalização de uma Assembleia Parlamentar da CPLP, que deverá ser um órgão da estrutura da CPLP. Para que seja uma instância activa e não burocrática deveria reconhecer-se no Estatuto dos Cidadãos da CPLP, a possibilidade dos cidadãos de qualquer dos seus Estados-membros poderem dirigir-lhe petições e propostas de iniciativa popular sobre matérias relevantes para a concretização dos objectivos da CPLP, que seriam obrigatoriamente apreciadas se reunissem um certo número de proponentes, de mais do que dois Estados-membros.
No que se refere á CPLP, como em tudo, o sonho comanda a vida, o desejo de futuro deve estimular a nossa intervenção através de uma cidadania transnacional exigente.
domingo, julho 16, 2006
DIÁRIOS DA BÓSNIA
A multiplicação da informação televisiva às horas de jantar sobre as tragédias do mundo faz-nos perder a capacidade de reagir, de nos perguntarmos sobre o que é possível fazer. Em tudo isso pode haver uma parte da reacção que é saudável, se não for sinónimo de indiferença, temos de enfrentar as dificuldades do dia a dia com coragem, fazer o que podemos fazer e não há nada de mais estéril que invocar as tragédias do mundo para não cumprir os deveres de solidariedade mais próximos e elementares. Mas também há muitas vezes dois aspectos muito negativos na passividade com que recebemos a informação, um deles é a distância. Tudo o que se não passa no nosso país, na Europa ou no Mundo de Língua Portuguesa, passa-se longe. Como, há muito escreveu Eça de Queirós, no seu livro, “O Mandarim” o que se passa longe não nos afecta da mesma forma do que o que se passa perto. Existe outro aspecto negativo na nossa reacção habituamo-nos, ora como afirmou Charles Peguy, não há nada pior que uma consciência “habituada”.
O filme de Joaquim Sapinho “Diários da Bósnia”, que se estreou recentemente, é por tudo isto um murro no estômago, que nos obriga a pensar e a ver que a Bósnia, é aqui perto, tem a ver connosco como o têm os bombardeamentos em Gaza, Israel ou no Sul do Líbano.
O filme assume o registo de apontamentos de um diário, conjuga imagens filmadas em 1996 e em 1998, e dá-nos a ver um país devastado em que aldeias e cidades foram completamente dizimadas, tendo ficado muitas vezes apenas restos de paredes, e perguntamo-nos como é que pessoas vizinhas, amigas e felizes, que comiam e riam juntas em velhas fotografias, se massacraram daquela forma.
Vemos Sarajevo onde os sons das preces islâmicas se cruzavam com os sinos cristãos ortodoxos, depois de anos de cerco sérvio, reduzida aos sons vindos das mesquitas. Vemos gente que experimentou um imenso sofrimento, que se fecha e da qual é difícil o realizador conseguir pôr a falar perante as câmaras como aconteceu com aqueles fieis ortodoxos que persistem em viver como cristãos em Sarajevo. Há imagens muito fortes e belas como as imagens de culto islâmico por parte de mulheres. Já as imagens de culto cristão ortodoxo precisavam de ter sido bem contextualizadas. A parte do texto que o celebrante recita não são a expressão da oração dos crentes como se poderia deduzir, mas sim as palavras de um fariseu numa parábola do Evangelho. Se não se perceber isto poderá ter-se uma imagem deformada da espiritualidade dos cristãos ortodoxos.
O filme é por vezes como uma pintura, como acontece com a filmagem do interior destruído do Museu de História Natural.
Joaquim Sapinho dá-nos elementos essenciais para nos fazer pensar sobre o porquê de tanta destruição, mas sentimos que há muitas coisas que gostaríamos de perceber, por exemplo, as relações entre croatas e muçulmanos, que se aliaram a partir de certa altura contra os sérvios. A ausência dos croatas tem razão de ser, já que as áreas da Bósnia filmadas são aquelas em que o conflito central foi entre sérvios e muçulmanos, mas as interrogações permanecem.
Ficamos também com a sensação de que vai ser um longo protectorado, em que a paz é assegurada pela presença de forças das Nações Unidas, como os soldados portugueses. Percebemos melhor com este filme a importância desta presença dos soldados portugueses e o dever que temos em participar neste tipo de missões. Se há alguma coisa que este filme nos obriga a tomar consciência, é que não podemos ignorar o massacre e o imenso sofrimento de outros povos. Pertencemos a uma única humanidade e temos que nos empenharmos em diminuir o sofrimento inútil e contribuir para um mundo mais pacífico em que a dignidade humana seja respeitada. Tudo tem a ver connosco.
Vale por isso a pena ver os “Diários da Bósnia” de Joaquim Sapinho. Gostaríamos, um dia, de ver a sequência. Temos esperança que alguma coisa tenha mudado para melhor e perguntamo-nos em que se tornaram as crianças que vemos no filme.
P.S. 1 - A morte de cinco sapadores chilenos e de um bombeiro português em Famalicão da Serra (Guarda) não pode ficar sem registo e sem que aqui a todos preste a minha comovida homenagem.
Sobre os incêndios ocorridos no ano passado e as questões políticas de prevenção e de com bate aos incêndios sugiro que consultem aqui.
A aldeia de onde era originário o jovem bombeiro português, Sérgio José Neto Bica Rocha, acompanhou o seu funeral com emoção. Pouco a pouco a morte dos cinco sapadores chilenos foi se perdendo no voracidade informativa. Temos que dizer que os não esquecemos, como não esquecemos o jovem bombeiro português. Lamentamos não ter visto os seus nomes na imprensa, são apenas cinco sapadores chilenos. Muitas vezes só quando há uma tragédia nas obras ou num desastre natural, neste caso num incêndio, nos damos conta da presença discreta, mas generosa e eficaz de imigrantes que lutam ao nosso lado para melhorar a qualidade de vida da sociedade portuguesa.
P.S. 2 - Já tínhamos editado o nosso post anterior quando lemos a notícia da morte do padre José Vieira Marques, com 72 anos, que, foi um divulgador apaixonado do cinema, entre outras actividades foi o responsável pela criação e direcção do Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz.
Conheci José Vieira Marques, quando era militante da JUC (Juventude Universitária Católica) e posteriormente dirigente do CRC (Centro de Reflexão Cristã) e estou-lhe grato por nos ter ajudado a aprender a analisar filmes e por nos ter transmitido a paixão pelo cinema. Não esqueço o seminário sobre o cinema de Ingmar Bergman que organizou e debates sobre filmes que nunca pude esquecer.
José Vieira Marques era um homem bom, generoso, acolhedor e discreto. A sua paixão pela divulgação do cinema como forma de conhecimento, o facto de ter vivido numa linha de risco, a falta de palavra ou de solidariedade na hora certa, tudo isto deve ter-lhe trazido dificuldades na sua inserção eclesial. Pelo que conheci dele lembrar-me-ei dele, como um santo que nunca será canonizado, para usar o título de um livro do grande teólogo espanhol José Maria González Ruiz, falecido no princípio deste ano.
O filme de Joaquim Sapinho “Diários da Bósnia”, que se estreou recentemente, é por tudo isto um murro no estômago, que nos obriga a pensar e a ver que a Bósnia, é aqui perto, tem a ver connosco como o têm os bombardeamentos em Gaza, Israel ou no Sul do Líbano.
O filme assume o registo de apontamentos de um diário, conjuga imagens filmadas em 1996 e em 1998, e dá-nos a ver um país devastado em que aldeias e cidades foram completamente dizimadas, tendo ficado muitas vezes apenas restos de paredes, e perguntamo-nos como é que pessoas vizinhas, amigas e felizes, que comiam e riam juntas em velhas fotografias, se massacraram daquela forma.
Vemos Sarajevo onde os sons das preces islâmicas se cruzavam com os sinos cristãos ortodoxos, depois de anos de cerco sérvio, reduzida aos sons vindos das mesquitas. Vemos gente que experimentou um imenso sofrimento, que se fecha e da qual é difícil o realizador conseguir pôr a falar perante as câmaras como aconteceu com aqueles fieis ortodoxos que persistem em viver como cristãos em Sarajevo. Há imagens muito fortes e belas como as imagens de culto islâmico por parte de mulheres. Já as imagens de culto cristão ortodoxo precisavam de ter sido bem contextualizadas. A parte do texto que o celebrante recita não são a expressão da oração dos crentes como se poderia deduzir, mas sim as palavras de um fariseu numa parábola do Evangelho. Se não se perceber isto poderá ter-se uma imagem deformada da espiritualidade dos cristãos ortodoxos.
O filme é por vezes como uma pintura, como acontece com a filmagem do interior destruído do Museu de História Natural.
Joaquim Sapinho dá-nos elementos essenciais para nos fazer pensar sobre o porquê de tanta destruição, mas sentimos que há muitas coisas que gostaríamos de perceber, por exemplo, as relações entre croatas e muçulmanos, que se aliaram a partir de certa altura contra os sérvios. A ausência dos croatas tem razão de ser, já que as áreas da Bósnia filmadas são aquelas em que o conflito central foi entre sérvios e muçulmanos, mas as interrogações permanecem.
Ficamos também com a sensação de que vai ser um longo protectorado, em que a paz é assegurada pela presença de forças das Nações Unidas, como os soldados portugueses. Percebemos melhor com este filme a importância desta presença dos soldados portugueses e o dever que temos em participar neste tipo de missões. Se há alguma coisa que este filme nos obriga a tomar consciência, é que não podemos ignorar o massacre e o imenso sofrimento de outros povos. Pertencemos a uma única humanidade e temos que nos empenharmos em diminuir o sofrimento inútil e contribuir para um mundo mais pacífico em que a dignidade humana seja respeitada. Tudo tem a ver connosco.
Vale por isso a pena ver os “Diários da Bósnia” de Joaquim Sapinho. Gostaríamos, um dia, de ver a sequência. Temos esperança que alguma coisa tenha mudado para melhor e perguntamo-nos em que se tornaram as crianças que vemos no filme.
P.S. 1 - A morte de cinco sapadores chilenos e de um bombeiro português em Famalicão da Serra (Guarda) não pode ficar sem registo e sem que aqui a todos preste a minha comovida homenagem.
Sobre os incêndios ocorridos no ano passado e as questões políticas de prevenção e de com bate aos incêndios sugiro que consultem aqui.
A aldeia de onde era originário o jovem bombeiro português, Sérgio José Neto Bica Rocha, acompanhou o seu funeral com emoção. Pouco a pouco a morte dos cinco sapadores chilenos foi se perdendo no voracidade informativa. Temos que dizer que os não esquecemos, como não esquecemos o jovem bombeiro português. Lamentamos não ter visto os seus nomes na imprensa, são apenas cinco sapadores chilenos. Muitas vezes só quando há uma tragédia nas obras ou num desastre natural, neste caso num incêndio, nos damos conta da presença discreta, mas generosa e eficaz de imigrantes que lutam ao nosso lado para melhorar a qualidade de vida da sociedade portuguesa.
P.S. 2 - Já tínhamos editado o nosso post anterior quando lemos a notícia da morte do padre José Vieira Marques, com 72 anos, que, foi um divulgador apaixonado do cinema, entre outras actividades foi o responsável pela criação e direcção do Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz.
Conheci José Vieira Marques, quando era militante da JUC (Juventude Universitária Católica) e posteriormente dirigente do CRC (Centro de Reflexão Cristã) e estou-lhe grato por nos ter ajudado a aprender a analisar filmes e por nos ter transmitido a paixão pelo cinema. Não esqueço o seminário sobre o cinema de Ingmar Bergman que organizou e debates sobre filmes que nunca pude esquecer.
José Vieira Marques era um homem bom, generoso, acolhedor e discreto. A sua paixão pela divulgação do cinema como forma de conhecimento, o facto de ter vivido numa linha de risco, a falta de palavra ou de solidariedade na hora certa, tudo isto deve ter-lhe trazido dificuldades na sua inserção eclesial. Pelo que conheci dele lembrar-me-ei dele, como um santo que nunca será canonizado, para usar o título de um livro do grande teólogo espanhol José Maria González Ruiz, falecido no princípio deste ano.
domingo, julho 09, 2006
PARIDADE, IGUALDADE E CIDADANIA
A Assembleia da República aprovou esta semana uma nova versão da lei da paridade, proposta pelo Partido Socialista, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos.
A apresentação da proposta de lei teve em conta o facto da Constituição da República Portuguesa prever no artigo 9.º, entra as tarefas fundamentais do Estado, a de promover a igualdade entre homens e mulheres. O artigo 109.º acrescenta que: “A participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui o instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função de sexo no acesso a cargos políticos”.
Não podemos ignorar que se trata de matéria controversa, mas há um argumento que tem sido aduzido em sua defesa, que só por si a justifica. É verdade que em todas as áreas em que o recrutamento se faz por mérito as mulheres tendem a estar mais equitativamente representadas, como acontece, por exemplo, nas magistraturas. Há, contudo, áreas em que as mulheres apesar da elevada taxa de actividade laboral e da crescente qualificação, estão sub-representadas, são as áreas em que o critério de recrutamento não é o mérito, mas a cooptação. É o que acontece com a actividade política, os partidos são, sem excepção, estruturas em que as redes de poder são masculinas e a cooptação se faz na base da confiança. Neste contexto, as mulheres, mesmo qualificadas e competentes do ponto de vista político são sistematicamente sub-representadas. Não há dúvida que este argumento é pertinente. Com esta lei, caso venha a ser promulgada, terão forçosamente de serem incluídas mais mulheres e desta forma, atenuar-se-á a desigualdade. Sempre considerei esta discriminação inaceitável. Apoiei activamente a eleição da primeira mulher que foi eleita secretária-geral de uma organização política juvenil, a Margarida Marques na Juventude Socialista, e propus, quando me candidatei à Concelhia de Lisboa do Partido Socialista, a lista mais paritária até agora apresentada em qualquer eleição interna (metade/metade). Não posso por isso deixar de considerar positiva a preocupação que a lei traduz.
Deixo, contudo, um alerta que tenho visto que é formulado por muitas cidadãos e cidadãs, não basta haver mais igualdade de género, é preciso lutar pela qualidade da representação seja ela assegurada por homens ou mulheres. Não deixa de ser paradoxal que o aumento de número de mulheres, designadamente, na Assembleia da República, possa coexistir com o afastamento de mulheres, com provas dadas, quer do ponto de vista técnico, quer político.
Por outras palavras não basta mais paridade é também necessário, criar práticas de cidadania mais exigente a nível dos partidos, no seu funcionamento interno a todos os níveis, incluindo ao nível da elaboração das listas. Se assim não for as boas intenções a que obedece esta iniciativa serão desvirtuadas. A paridade só faz sentido, como instrumento de mais igualdade, se for acompanhada de mais cidadania e menos cooptação dos ou das que não fazem sombra.
PS. 1 - Sophia de Mello Breyner Andresen morreu em 2 de Julho de 2004, há portanto dois anos. Tenho uma dívida de gratidão para com Sophia, que descobri como poeta através do “Livro Sexto”, quando tinha dezasseis anos, de quem depois li, com entusiasmo, “Os Contos Exemplares” e depois disso todos os livros de poesia que publicou.
A obra de Sophia passou desde então a ser para mim uma referência permanente como poeta, mas também o seu exemplo de empenhamento, como cristã e cidadã. Não se podem esquecer, palavras com as que proferiu quando lhe foi entregue o Grande Prémio de Poesia atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores a “Livro Sexto”: “Quem procura uma relação justa com a pedra, com uma árvore, com o rio é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem”.
Sophia era animada por uma confiança num sentido positivo da história, a confiança no progresso das coisas do Padre Teilhard de Chardin, A sua fé tinha presente o Deus criador, cuja obra continuava, procurando transformar o caos em cosmos, dando nome às coisas. Recordemos o excelente livro de poesia “O Nome das Coisas”. Amava a clareza, a verdade e a beleza. Contou-me que, uma vez, maravilhada com a beleza de uma ilha grega e depois de ter entrado no mar agradeceu a Deus por ter existido. Foi com surpresa, que descobriu mais tarde o mesmo agradecimento em Santa Clara de Assis. Mas, ao contrário, dos que são desatentos aos outros, Sophia afirmava: “Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo”, daí o seu compromisso para reduzir o sofrimento evitável, contra tudo o que tendia a aumentá-lo.
Sophia, para além dos livros que escreveu, concedeu algumas entrevistas notáveis, designadamente a Maria Armanda Passos e Eduardo Prado Coelho, que seria interessante serem reunidas e publicadas.
Para além disso, seria interessante, que alguém tomasse a iniciativa de editar em DVD, o documentário que sobre ela realizou João César Monteiro, de modo a torná-la presente às gerações mais jovens.
2 - António Marujo, jornalista do “Público” recebeu no passado dia 6 de 2006, o prémio da Conferência das Igrejas Europeias para jornalistas da imprensa não-confessional que tratam informação religiosa. O prémio foi-lhe entregue na catedral da Igreja Lusitana (Anglicana) de Lisboa, em Santos-o-Velho. Não tendo podido estar presente na cerimónia não podia deixar de registá-lo aqui. António Marujo é um jornalista de grande qualidade, cultura, e rigor, que tem tratado há vários anos, com persistência e profissionalismo, a informação religiosa, tendo também elaborado dossiers de grande qualidade em áreas sociais, como por exemplo, a pobreza em Portugal.
Para os que não ganharam ainda o hábito de o ler regularmente, sugiro que leiam os textos que escreveu no Mil Folhas, Público, 8 de Julho de 2006, intitulados “Em busca do cristianismo plural das origens” e “Novidades para um debate teológico”. Neles aborda as questões colocadas pela publicação recente, em português, de duas edições do “Evangelho de Judas” e dos “Manuscritos do Mar Morto”.
A apresentação da proposta de lei teve em conta o facto da Constituição da República Portuguesa prever no artigo 9.º, entra as tarefas fundamentais do Estado, a de promover a igualdade entre homens e mulheres. O artigo 109.º acrescenta que: “A participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui o instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função de sexo no acesso a cargos políticos”.
Não podemos ignorar que se trata de matéria controversa, mas há um argumento que tem sido aduzido em sua defesa, que só por si a justifica. É verdade que em todas as áreas em que o recrutamento se faz por mérito as mulheres tendem a estar mais equitativamente representadas, como acontece, por exemplo, nas magistraturas. Há, contudo, áreas em que as mulheres apesar da elevada taxa de actividade laboral e da crescente qualificação, estão sub-representadas, são as áreas em que o critério de recrutamento não é o mérito, mas a cooptação. É o que acontece com a actividade política, os partidos são, sem excepção, estruturas em que as redes de poder são masculinas e a cooptação se faz na base da confiança. Neste contexto, as mulheres, mesmo qualificadas e competentes do ponto de vista político são sistematicamente sub-representadas. Não há dúvida que este argumento é pertinente. Com esta lei, caso venha a ser promulgada, terão forçosamente de serem incluídas mais mulheres e desta forma, atenuar-se-á a desigualdade. Sempre considerei esta discriminação inaceitável. Apoiei activamente a eleição da primeira mulher que foi eleita secretária-geral de uma organização política juvenil, a Margarida Marques na Juventude Socialista, e propus, quando me candidatei à Concelhia de Lisboa do Partido Socialista, a lista mais paritária até agora apresentada em qualquer eleição interna (metade/metade). Não posso por isso deixar de considerar positiva a preocupação que a lei traduz.
Deixo, contudo, um alerta que tenho visto que é formulado por muitas cidadãos e cidadãs, não basta haver mais igualdade de género, é preciso lutar pela qualidade da representação seja ela assegurada por homens ou mulheres. Não deixa de ser paradoxal que o aumento de número de mulheres, designadamente, na Assembleia da República, possa coexistir com o afastamento de mulheres, com provas dadas, quer do ponto de vista técnico, quer político.
Por outras palavras não basta mais paridade é também necessário, criar práticas de cidadania mais exigente a nível dos partidos, no seu funcionamento interno a todos os níveis, incluindo ao nível da elaboração das listas. Se assim não for as boas intenções a que obedece esta iniciativa serão desvirtuadas. A paridade só faz sentido, como instrumento de mais igualdade, se for acompanhada de mais cidadania e menos cooptação dos ou das que não fazem sombra.
PS. 1 - Sophia de Mello Breyner Andresen morreu em 2 de Julho de 2004, há portanto dois anos. Tenho uma dívida de gratidão para com Sophia, que descobri como poeta através do “Livro Sexto”, quando tinha dezasseis anos, de quem depois li, com entusiasmo, “Os Contos Exemplares” e depois disso todos os livros de poesia que publicou.
A obra de Sophia passou desde então a ser para mim uma referência permanente como poeta, mas também o seu exemplo de empenhamento, como cristã e cidadã. Não se podem esquecer, palavras com as que proferiu quando lhe foi entregue o Grande Prémio de Poesia atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores a “Livro Sexto”: “Quem procura uma relação justa com a pedra, com uma árvore, com o rio é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem”.
Sophia era animada por uma confiança num sentido positivo da história, a confiança no progresso das coisas do Padre Teilhard de Chardin, A sua fé tinha presente o Deus criador, cuja obra continuava, procurando transformar o caos em cosmos, dando nome às coisas. Recordemos o excelente livro de poesia “O Nome das Coisas”. Amava a clareza, a verdade e a beleza. Contou-me que, uma vez, maravilhada com a beleza de uma ilha grega e depois de ter entrado no mar agradeceu a Deus por ter existido. Foi com surpresa, que descobriu mais tarde o mesmo agradecimento em Santa Clara de Assis. Mas, ao contrário, dos que são desatentos aos outros, Sophia afirmava: “Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo”, daí o seu compromisso para reduzir o sofrimento evitável, contra tudo o que tendia a aumentá-lo.
Sophia, para além dos livros que escreveu, concedeu algumas entrevistas notáveis, designadamente a Maria Armanda Passos e Eduardo Prado Coelho, que seria interessante serem reunidas e publicadas.
Para além disso, seria interessante, que alguém tomasse a iniciativa de editar em DVD, o documentário que sobre ela realizou João César Monteiro, de modo a torná-la presente às gerações mais jovens.
2 - António Marujo, jornalista do “Público” recebeu no passado dia 6 de 2006, o prémio da Conferência das Igrejas Europeias para jornalistas da imprensa não-confessional que tratam informação religiosa. O prémio foi-lhe entregue na catedral da Igreja Lusitana (Anglicana) de Lisboa, em Santos-o-Velho. Não tendo podido estar presente na cerimónia não podia deixar de registá-lo aqui. António Marujo é um jornalista de grande qualidade, cultura, e rigor, que tem tratado há vários anos, com persistência e profissionalismo, a informação religiosa, tendo também elaborado dossiers de grande qualidade em áreas sociais, como por exemplo, a pobreza em Portugal.
Para os que não ganharam ainda o hábito de o ler regularmente, sugiro que leiam os textos que escreveu no Mil Folhas, Público, 8 de Julho de 2006, intitulados “Em busca do cristianismo plural das origens” e “Novidades para um debate teológico”. Neles aborda as questões colocadas pela publicação recente, em português, de duas edições do “Evangelho de Judas” e dos “Manuscritos do Mar Morto”.
segunda-feira, julho 03, 2006
GUANTÁNAMO
A decisão do Supremo Tribunal de Justiça americano no processo Hamdan versus Rumsfeld, 05-184, de declarar ilegais os tribunais militares especiais com que George W. Bush pretendia julgar os presos de Gauntánamo traduz uma séria defesa dos direitos que merece ser saudada (vide, El País, 30-06-2006, pp. 2-3).
Se a preocupação com a segurança ganhou uma importância acrescida e justificada depois de 11 de Setembro, isto não significa que devemos aceitar todas as limitações desproporcionadas dos direitos humanos, tomando como justificação a luta contra o terrorismo.
A longa decisão do Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos, de 177 páginas, foi tomada por uma maioria de cinco votos contra três.
O Governo criou a prisão na base de Guantánamo, em Cuba, com o pretexto desta base não ser território americano, mas estar apenas sobre sua administração. Deste modo, procurou ter carta branca para encarcerar, interrogar e punir os presos que para aí enviou e que considerava suspeitos de estarem ao serviço do terrorismo da Al-Qaeda. Ahmed Hamdan é um iemenita que reconheceu ter sido motorista e guarda-costa de Bin Landen, mas que nega pertencer à Al-Qaeda. Através do seu defensor, o tenente Charles Swift, considerou que os tribunais militares especiais não asseguravam um julgamento justo e pôs em causa a sua legalidade face à Constituição dos Estados Unidos da América.
O Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos considerou, segundo afirmou o juiz Paul Stevens em nome da maioria que tomou esta decisão, que os tribunais militares especiais violam os acordos internacionais sobre prisioneiros de guerra e as normas militares dos Estados Unidos. Esta decisão implica que este detido seja julgado, de acordo com o que é tradicional no direito norte-americano, em Conselho de Guerra ou por um tribunal federal.
Guatánamo funciona como prisão de suspeitos de terrorismo, desde 2001, onde permanecem 450 detidos.
Esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos mostra que continua a desempenhar um papel fundamental na defesa do respeito pelo princípio da legalidade e de um justo equilíbrio entre o poder legislativo e o executivo. É uma decisão que prestigia a democracia norte-americana porque mostra que é possível, através do Supremo Tribunal de Justiça, pôr em causa a violação dos direitos humanos em Guantánamo, por parte do Governo americano.
Não nos iludamos esta decisão não surge do nada, é possível porque houve muitos cidadãos, juristas ou não, e organizações defensoras dos direitos humanos, como o Centro de Direito Constitucional, que se bateram por pôr em causa a forma como o Governo americano tem agido relativamente aos prisioneiros de Guantánamo.
Nos Estados Unidos, como em Portugal ou em qualquer outro país, o respeito pelos direitos humanos exige que os cidadãos se empenhem na sua defesa.
P.S. – Tem prosseguido, em Lisboa, o Fórum Gulbenkian Imigração, promovido pelo Serviço Saúde e Desenvolvimento Humano desta Fundação. Na semana passada realizou-se o workshop sobre «Integração dos descendentes de imigrantes» sob a orientação de Fernando Luís Machado. Esta semana realizar-se-á um workshop, dirigido por David Justino, que abordará questões como integração política e cívica, cidadania e civismo, participação política, acesso à nacionalidade.
No seguimento destes e de outros workshops, realizados entre Março e Novembro de 2006, será editado um caderno de propostas e recomendações a apresentar na Conferência Internacional «Imigração: Oportunidade ou Ameaça?» de 6 a 7 de Março de 2007.
Este Fórum tem como comissário António Vitorino e antecede o Congresso Mundial da FIDH (Federação Internacional dos Direitos Humanos), que reunirá em Lisboa, em Abril de 2007, as organizações defensoras dos direitos humanos de todo o mundo e que transformará esta cidade na capital mundial dos Direitos Humanos. A sua organização está a cabo da CIVITAS, Associação para a Defesa e Promoção dos Direitos dos Cidadãos, que é em Portugal a organização que é membro da FIDH.
São iniciativas deste tipo, como foi a Estratégia de Lisboa aprovada durante a segunda presidência portuguesa da União Europeia, que podem colocar Portugal por boas razões no mapa do mundo contemporâneo.
Se a preocupação com a segurança ganhou uma importância acrescida e justificada depois de 11 de Setembro, isto não significa que devemos aceitar todas as limitações desproporcionadas dos direitos humanos, tomando como justificação a luta contra o terrorismo.
A longa decisão do Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos, de 177 páginas, foi tomada por uma maioria de cinco votos contra três.
O Governo criou a prisão na base de Guantánamo, em Cuba, com o pretexto desta base não ser território americano, mas estar apenas sobre sua administração. Deste modo, procurou ter carta branca para encarcerar, interrogar e punir os presos que para aí enviou e que considerava suspeitos de estarem ao serviço do terrorismo da Al-Qaeda. Ahmed Hamdan é um iemenita que reconheceu ter sido motorista e guarda-costa de Bin Landen, mas que nega pertencer à Al-Qaeda. Através do seu defensor, o tenente Charles Swift, considerou que os tribunais militares especiais não asseguravam um julgamento justo e pôs em causa a sua legalidade face à Constituição dos Estados Unidos da América.
O Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos considerou, segundo afirmou o juiz Paul Stevens em nome da maioria que tomou esta decisão, que os tribunais militares especiais violam os acordos internacionais sobre prisioneiros de guerra e as normas militares dos Estados Unidos. Esta decisão implica que este detido seja julgado, de acordo com o que é tradicional no direito norte-americano, em Conselho de Guerra ou por um tribunal federal.
Guatánamo funciona como prisão de suspeitos de terrorismo, desde 2001, onde permanecem 450 detidos.
Esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos mostra que continua a desempenhar um papel fundamental na defesa do respeito pelo princípio da legalidade e de um justo equilíbrio entre o poder legislativo e o executivo. É uma decisão que prestigia a democracia norte-americana porque mostra que é possível, através do Supremo Tribunal de Justiça, pôr em causa a violação dos direitos humanos em Guantánamo, por parte do Governo americano.
Não nos iludamos esta decisão não surge do nada, é possível porque houve muitos cidadãos, juristas ou não, e organizações defensoras dos direitos humanos, como o Centro de Direito Constitucional, que se bateram por pôr em causa a forma como o Governo americano tem agido relativamente aos prisioneiros de Guantánamo.
Nos Estados Unidos, como em Portugal ou em qualquer outro país, o respeito pelos direitos humanos exige que os cidadãos se empenhem na sua defesa.
P.S. – Tem prosseguido, em Lisboa, o Fórum Gulbenkian Imigração, promovido pelo Serviço Saúde e Desenvolvimento Humano desta Fundação. Na semana passada realizou-se o workshop sobre «Integração dos descendentes de imigrantes» sob a orientação de Fernando Luís Machado. Esta semana realizar-se-á um workshop, dirigido por David Justino, que abordará questões como integração política e cívica, cidadania e civismo, participação política, acesso à nacionalidade.
No seguimento destes e de outros workshops, realizados entre Março e Novembro de 2006, será editado um caderno de propostas e recomendações a apresentar na Conferência Internacional «Imigração: Oportunidade ou Ameaça?» de 6 a 7 de Março de 2007.
Este Fórum tem como comissário António Vitorino e antecede o Congresso Mundial da FIDH (Federação Internacional dos Direitos Humanos), que reunirá em Lisboa, em Abril de 2007, as organizações defensoras dos direitos humanos de todo o mundo e que transformará esta cidade na capital mundial dos Direitos Humanos. A sua organização está a cabo da CIVITAS, Associação para a Defesa e Promoção dos Direitos dos Cidadãos, que é em Portugal a organização que é membro da FIDH.
São iniciativas deste tipo, como foi a Estratégia de Lisboa aprovada durante a segunda presidência portuguesa da União Europeia, que podem colocar Portugal por boas razões no mapa do mundo contemporâneo.
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