A eleição do Cardeal Joseph Ratzinger como novo Papa foi recebida por muitos com surpresa e desapontamento. Um ensaísta europeu reputado como Tomthy Garton Ash acrescentou mesmo que a sua eleição era motivo de júbilo para os ateus, prevendo que no fim do seu pontificado "a Europa será provavelmente mais islâmica do que agora nas regiões mais pobres e mais secular do que nunca nas mais ricas" (vide, "Europa de São Bento a Bento XVI", Público, 22 de Abril de 2005).
Pela minha parte, recebi a notícia, com surpresa, mas com total serenidade. Os caminhos abertos por João Paulo II não poderão ser fechados. Cabe a cada um dos que com eles se identificam agir nesse sentido. Atrevo-me, aliás, a pensar que outros caminhos serão abertos.
O escritor Nuno Júdice num interessante depoimento dado quando do falecimento de João Paulo II previu (e acertou) que o novo Papa viria da Europa e afirmando: "Neste momento, a Europa está e atravessar uma crise cultural e política e, se a Igreja tivesse alguém que não viesse do espaço europeu, isso contribuiria ainda mais para a afastar dos grandes centros de decisão" (vide, Diário de Notícias, 3 de Abril de 2005). Naturalmente havia outros cardeais europeus, empenhados na Nova Evangelização, como D. José Policarpo, que estariam à altura deste desafio. O que julgo é que há uma inegável crise cultural e política na Europa, sendo certo que a Igreja de Cristo tem de estar ao serviço da salvação de todos os seres humanos e não apenas de uma parte deles ou de um qualquer continente.
Julgo que o mais importante não é fazer cenários e profecias religiosas ou laicas, mas com humildade, acolher as palavras e os actos de Bento XVI e procurar ler os sinais que objectivamente transmitem. Se me permitem seguir o método da Acção Católica, «ver, julgar e agir», que tanto ensinou a milhares de cristãos em Portugal e no Mundo e que tão útil pode ainda ser.
Ora o que vimos até agora foi um Papa que na sua primeira mensagem adoptou um tom de humildade e fez apelo a colegialidade episcopal, assumindo "como compromisso primário o de trabalhar sem poupar energias na reconstituição da plena e visível unidade de todos os seguidores de Cristo", acrescentando que são precisos gestos, não bastam manifestações de bons sentimentos, diálogo teológico ou aprofundamento das motivações históricas e acrescenta que é diante do Juízo de Cristo".. que cada um de nós deve colocar-se, na consciência de ter um dia de dar-lhe contas de tudo aquilo que fizeram ou não em vista do grande bem da plena e visível unidade de todos os discípulos".
Não é por acaso que na missa da inauguração do pontificado participaram, o metropolita Crisóstomo de Éfeso, em representação do Patriarca Ortodoxo de Constantinopla, Bartolomeu I e, pela primeira vez, o Arcebispo de Cantuária, Rowan Williams. Não é difícil adivinhar novos passos para a unidade com ortodoxos e anglicanos.
Vimos também que dirigiu palavras de afecto aos que seguem outras religiões ou que simplesmente procuram uma resposta às perguntas fundamentais da existência e ainda não a encontraram. Reafirmou também a intenção de prosseguir com dedicação o promissor diálogo de civilizações. Só o futuro dirá se estes propósitos significarão prioridade absoluta ao ecumenismo cristão e um prosseguimento mais lento do diálogo inter-religioso, bem como um acentuar de um diálogo com os não-crentes, como o que o Cardeal Ratzinger teve com Jürgen Habermas.
Se assim viesse a ser haveria que contribuir pela acção para avivar o espírito de Assis, mas pode não ser assim, Bento XVI pode ter apenas pretendido dar a prioridade que deve ter a reconstituição da plena e visível unidade dos seguidores de Cristo.
Merece ser lida pela sua frescura a mensagem com que o novo Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga, saudou o novo Papa Bento XVI afirmando "renovamos a fidelidade ao sucessor de Pedro, e queremos mergulhar na densidade de um projecto de atenção à modernidade, com os seus desafios (...) nas novidades ainda não assumidas do Concílio Vaticano II" e manifestando-se,"(...) empenhados em caminhar com todos, particularmente, com os jovens (...) escutando as suas expectativas no desejo de os ajudar a encontrar sempre com maior profundidade Cristo vivo, o eternamente jovem." (vide, www.ecclesia.pt ).
Merecem também atenção as próximas Conferências de Maio, promovidas pelo Centro de Reflexão Cristã (CRC), que têm como tema central "Boa Nova na Cidade Moderna", que se inserem claramente nesta linha pastoral.
Os novos tempos do pontificado do Papa Bento XVI não são tempos para demissões ou para desânimos são tempos para serenamente ver, julgar e agir, para acolher o não esperado e para mergulhar nas novidades ainda não assumidas do Concílio Vaticano II.
domingo, abril 24, 2005
domingo, abril 17, 2005
CPLP - QUE FAZER?
O reforço da centralidade de Portugal na União Europeia tem de ir a par com um papel mais activo de Portugal no Mundo da Língua Portuguesa, quer nas dimensões culturais e económicas, quer nas dimensões políticas e diplomáticas.
A Língua Portuguesa é uma componente essencial da presença de Portugal na Europa e no Mundo, assente em mais de 200 milhões de falantes.
Portugal é um país de dimensão média em termos europeus, mas graças aos cidadãos dos Países de Língua Portuguesa, dispõe de um potencial linguístico, que lhe cria oportunidades culturais e económicas, mas também deveres de cooperação política e diplomática e de solidariedade
Num quadro internacional marcado cada vez mais pelo processo da globalização, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) representa uma mais valia para o reforço das oportunidades de afirmação internacional de cada um dos seus Estados-Membros, independentemente das organizações regionais em que se insiram.
A criação da CPLP, em 17 de Julho de 1996, pelo Tratado então assinado em Lisboa por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, a que aderiu Timor-Leste em 2002, foi recebida com uma imensa esperança, mas a sua actividade, até hoje, está aquém das legítimas expectativas dos seus cidadãos.
Há muito caminho andado e inúmeras iniciativas realizadas e acordos celebrados, mas é possível e desejável esperar mais. Digo-o, acrescentando que, como cidadãos desta Comunidade não devemos apenas esperar que as coisas aconteçam, mas perguntarmo-nos o que podemos fazer para que assim seja.
No debate recente sobre o Programa do XVII Governo Constitucional, quer o Primeiro-Ministro José Sócrates, quer o Ministro dos Negócios Estrangeiros Freitas do Amaral, se afirmaram empenhados no reforço do seu papel. É um motivo de esperança quando o confrontamos com o que foi a pouca acção, também nesta área, dos Governos de Durão Barroso e Santana Lopes, depois do empenhamento criativo e entusiasta dos governos de António Guterres.
Uma das formas de reforçar com urgência o papel da CPLP passa por todos os Estados-Membros levarem a sério e concretizarem as resoluções tomadas e os acordos celebrados, muitos dos quais já ratificados.
Os Chefes de Estado e de Governo da CPLP, reunidos na V Conferência que teve lugar em São Tomé, em 26 e 27 de Julho de 2004, tomaram, designadamente, nota da adopção pelo Conselho de Ministros da CPLP de um conjunto de resoluções, de um Acordo de Cooperação sobre o Combate à Malária e do Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e aprovaram várias declarações.
Um exercício de cidadania que sugiro é a consulta regular do sítio da CPLP na Internet, cujo endereço é www.cplp.org, para tentarmos perceber o que foi ou vai ser feito para dar seguimento aos trabalhos desta última Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP. Se a informação aí fornecida não for suficiente temos de imaginar formas de obter mais e de a tornar disponível
A referida Conferência aprovou, aliás, uma Declaração sobre a Sociedade da Informação como contributo para a Boa Governação e Transparência. Naturalmente que no funcionamento da CPLP também é exigível boa governação e transparência.
Talvez seja possível através dos blogues e sítios em Língua Portuguesa tornar mais disseminada a informação na Internet sobre o que está feito e bem feito pela CPLP e sobre o que não está ainda feito ou se arrasta de Conferência para Conferência. Podemos e devemos contribuir para pôr em prática a referida declaração, criando novos conteúdos, de forma a que a CPLP não seja apenas uma Comunidade de Estados, mas seja também uma Comunidade de Cidadãos.
Neste blogue não deixaremos de divulgar o que entendermos útil, designadamente, sobre o que está em curso nas áreas de livre Circulação e Cidadania, bem como sobre a Língua Portuguesa, nomeadamente, sobre o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) e o Acordo Ortográfico, e sobre a implementação pela CPLP da Declaração e Programa de Acção de Durban, adoptado em Setembro de 2001, pela Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, A Xenofobia e Outras formas de Intolerância, onde a CPLP, teve uma intervenção digna de relevo, como pude testemunhar.
Ao trabalho, colegas da blogosfera do Mundo de Língua Portuguesa, no qual dada a nossa dispersão geográfica e continental, como cantava um samba num dos últimos carnavais do Rio de Janeiro, "O Sol nunca se põe".
Aliás, podemos inspirar-nos na bela canção de luta "Para não dizer que não falei de flores" que cantava Geraldo Vandré "esperar não é saber/quem sabe faz a hora/ não espera acontecer!".
A Língua Portuguesa é uma componente essencial da presença de Portugal na Europa e no Mundo, assente em mais de 200 milhões de falantes.
Portugal é um país de dimensão média em termos europeus, mas graças aos cidadãos dos Países de Língua Portuguesa, dispõe de um potencial linguístico, que lhe cria oportunidades culturais e económicas, mas também deveres de cooperação política e diplomática e de solidariedade
Num quadro internacional marcado cada vez mais pelo processo da globalização, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) representa uma mais valia para o reforço das oportunidades de afirmação internacional de cada um dos seus Estados-Membros, independentemente das organizações regionais em que se insiram.
A criação da CPLP, em 17 de Julho de 1996, pelo Tratado então assinado em Lisboa por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, a que aderiu Timor-Leste em 2002, foi recebida com uma imensa esperança, mas a sua actividade, até hoje, está aquém das legítimas expectativas dos seus cidadãos.
Há muito caminho andado e inúmeras iniciativas realizadas e acordos celebrados, mas é possível e desejável esperar mais. Digo-o, acrescentando que, como cidadãos desta Comunidade não devemos apenas esperar que as coisas aconteçam, mas perguntarmo-nos o que podemos fazer para que assim seja.
No debate recente sobre o Programa do XVII Governo Constitucional, quer o Primeiro-Ministro José Sócrates, quer o Ministro dos Negócios Estrangeiros Freitas do Amaral, se afirmaram empenhados no reforço do seu papel. É um motivo de esperança quando o confrontamos com o que foi a pouca acção, também nesta área, dos Governos de Durão Barroso e Santana Lopes, depois do empenhamento criativo e entusiasta dos governos de António Guterres.
Uma das formas de reforçar com urgência o papel da CPLP passa por todos os Estados-Membros levarem a sério e concretizarem as resoluções tomadas e os acordos celebrados, muitos dos quais já ratificados.
Os Chefes de Estado e de Governo da CPLP, reunidos na V Conferência que teve lugar em São Tomé, em 26 e 27 de Julho de 2004, tomaram, designadamente, nota da adopção pelo Conselho de Ministros da CPLP de um conjunto de resoluções, de um Acordo de Cooperação sobre o Combate à Malária e do Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e aprovaram várias declarações.
Um exercício de cidadania que sugiro é a consulta regular do sítio da CPLP na Internet, cujo endereço é www.cplp.org, para tentarmos perceber o que foi ou vai ser feito para dar seguimento aos trabalhos desta última Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP. Se a informação aí fornecida não for suficiente temos de imaginar formas de obter mais e de a tornar disponível
A referida Conferência aprovou, aliás, uma Declaração sobre a Sociedade da Informação como contributo para a Boa Governação e Transparência. Naturalmente que no funcionamento da CPLP também é exigível boa governação e transparência.
Talvez seja possível através dos blogues e sítios em Língua Portuguesa tornar mais disseminada a informação na Internet sobre o que está feito e bem feito pela CPLP e sobre o que não está ainda feito ou se arrasta de Conferência para Conferência. Podemos e devemos contribuir para pôr em prática a referida declaração, criando novos conteúdos, de forma a que a CPLP não seja apenas uma Comunidade de Estados, mas seja também uma Comunidade de Cidadãos.
Neste blogue não deixaremos de divulgar o que entendermos útil, designadamente, sobre o que está em curso nas áreas de livre Circulação e Cidadania, bem como sobre a Língua Portuguesa, nomeadamente, sobre o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) e o Acordo Ortográfico, e sobre a implementação pela CPLP da Declaração e Programa de Acção de Durban, adoptado em Setembro de 2001, pela Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, A Xenofobia e Outras formas de Intolerância, onde a CPLP, teve uma intervenção digna de relevo, como pude testemunhar.
Ao trabalho, colegas da blogosfera do Mundo de Língua Portuguesa, no qual dada a nossa dispersão geográfica e continental, como cantava um samba num dos últimos carnavais do Rio de Janeiro, "O Sol nunca se põe".
Aliás, podemos inspirar-nos na bela canção de luta "Para não dizer que não falei de flores" que cantava Geraldo Vandré "esperar não é saber/quem sabe faz a hora/ não espera acontecer!".
domingo, abril 10, 2005
JOÃO PAULO II - PORTAS QUE NÃO PODEM SER FECHADAS
É um lugar comum dizer que o pontificado de João Paulo II tendo sido longo, foi também complexo, mas é mais justo dizer que abriu caminhos novos que não podem ser fechados. Gostaria de sublinhar apenas três: o pedido de perdão pelos pecados da Igreja; a defesa firme dos direitos dos imigrantes; o progresso do diálogo inter-religioso, particularmente entre o catolicismo, o judaísmo e o islamismo.
Durante as comemorações do Jubileu no ano 2000, João Paulo II teve a oportunidade de assumir um pedido público de perdão pelos pecados da Igreja, que abordou, de forma clara e concreta, em muitas visitas.
No seu encontro com a comunidade católica de Goréè afirmou relativamente ao "crime enorme" da escravatura: "...Aqueles homens, aquelas mulheres e aquelas crianças foram vítimas de um comércio vergonhoso, em que tomaram parte pessoas baptizadas, mas que não viveram a sua fé. Como esquecer os enormes sofrimentos infligidos, desprezando os direitos humanos mais elementares, às populações deportadas do continente africano? Como esquecer as vidas humanas anuladas pela escravidão? É preciso confessar com toda a verdade e humildade este pecado do homem contra o homem, este pecado do homem contra Deus". (vide, Direitos do Homem, de João XXIII a João Paulo II, ed. Principia).
João Paulo II esteve sempre também atento aos mais pobres dos pobres, às minorias, aos excluídos, sem recear enfrentar os preconceitos, defendendo com firmeza os direitos dos imigrantes. Para dar apenas um exemplo, insistia em que:"...se é verdade que os Países altamente desenvolvidos nem sempre estão em condições de absorver todos os que emigram , todavia temos de reconhecer que o critério para determinar o limite do suportável não pode ser a simples defesa do próprio bem-estar, esquecendo as reais necessidades de quem é dramaticamente constrangido a pedir hospitalidade"(vide, Migrações, Mensagens de João Paulo II, co-edição da Fundação de Ajuda à Igreja que Sofre e da Comissão Episcopal de Migrações e Turismo).
Num tempo em que o medo da concorrência dos produtos fabricados pelos mais pobres levaram ao recuo dos ideais internacionalistas, João Paulo II manifestou sempre uma compaixão sincera e profunda pelos dramas e angústias de toda a humanidade.
Fiel ao Concílio Vaticano II, no qual foi um dos participantes activos, deu continuidade pela sua prática à Gaudium et Spes e a muitas das suas orientações fundamentais. Não se limitou, por exemplo, ao respeito pelas religiões não-cristãs, mas promoveu, de forma profética, um verdadeiro diálogo inter-religioso, que foi mal recebido por muitos tradicionalistas e continua a ter muitas resistências passivas e, por agora, silenciosas. O encontro de Assis, no qual rezou pela paz com representantes de várias outras confissões e crenças religiosas, cristãs e não-cristãs, foi um marco na história contemporânea. Combateu séculos de preconceitos anti-semitas e de islamofobia no interior da Igreja.
O diálogo iniciado com o judaísmo e o islamismo é central para o futuro de respeito e de paz entre toda a humanidade. É uma das portas que não pode ser fechada e deveria ser alargada a todos os homens e mulheres que procuram a verdade, mesmo quando não reconhecem na origem dessa busca o apelo de Deus.
É verdade que manteve outras fechadas, que devem ser abertas: o sacerdócio feminino; o repensar da sexualidade e da ética; a necessidade de criar condições para um diálogo teológico sem exclusões no seio da Igreja. Tudo isto é verdade, mas não esconde a paixão com que se gastou a criar condições para que a esperança fosse um horizonte viável para tantos milhões de seres humanos, como abraçou a causa dos direitos humanos e da democracia.
Que não se fechem as portas que abriu e que outras venham a ser abertas é o voto de esperança que formulamos neste momento.
Durante as comemorações do Jubileu no ano 2000, João Paulo II teve a oportunidade de assumir um pedido público de perdão pelos pecados da Igreja, que abordou, de forma clara e concreta, em muitas visitas.
No seu encontro com a comunidade católica de Goréè afirmou relativamente ao "crime enorme" da escravatura: "...Aqueles homens, aquelas mulheres e aquelas crianças foram vítimas de um comércio vergonhoso, em que tomaram parte pessoas baptizadas, mas que não viveram a sua fé. Como esquecer os enormes sofrimentos infligidos, desprezando os direitos humanos mais elementares, às populações deportadas do continente africano? Como esquecer as vidas humanas anuladas pela escravidão? É preciso confessar com toda a verdade e humildade este pecado do homem contra o homem, este pecado do homem contra Deus". (vide, Direitos do Homem, de João XXIII a João Paulo II, ed. Principia).
João Paulo II esteve sempre também atento aos mais pobres dos pobres, às minorias, aos excluídos, sem recear enfrentar os preconceitos, defendendo com firmeza os direitos dos imigrantes. Para dar apenas um exemplo, insistia em que:"...se é verdade que os Países altamente desenvolvidos nem sempre estão em condições de absorver todos os que emigram , todavia temos de reconhecer que o critério para determinar o limite do suportável não pode ser a simples defesa do próprio bem-estar, esquecendo as reais necessidades de quem é dramaticamente constrangido a pedir hospitalidade"(vide, Migrações, Mensagens de João Paulo II, co-edição da Fundação de Ajuda à Igreja que Sofre e da Comissão Episcopal de Migrações e Turismo).
Num tempo em que o medo da concorrência dos produtos fabricados pelos mais pobres levaram ao recuo dos ideais internacionalistas, João Paulo II manifestou sempre uma compaixão sincera e profunda pelos dramas e angústias de toda a humanidade.
Fiel ao Concílio Vaticano II, no qual foi um dos participantes activos, deu continuidade pela sua prática à Gaudium et Spes e a muitas das suas orientações fundamentais. Não se limitou, por exemplo, ao respeito pelas religiões não-cristãs, mas promoveu, de forma profética, um verdadeiro diálogo inter-religioso, que foi mal recebido por muitos tradicionalistas e continua a ter muitas resistências passivas e, por agora, silenciosas. O encontro de Assis, no qual rezou pela paz com representantes de várias outras confissões e crenças religiosas, cristãs e não-cristãs, foi um marco na história contemporânea. Combateu séculos de preconceitos anti-semitas e de islamofobia no interior da Igreja.
O diálogo iniciado com o judaísmo e o islamismo é central para o futuro de respeito e de paz entre toda a humanidade. É uma das portas que não pode ser fechada e deveria ser alargada a todos os homens e mulheres que procuram a verdade, mesmo quando não reconhecem na origem dessa busca o apelo de Deus.
É verdade que manteve outras fechadas, que devem ser abertas: o sacerdócio feminino; o repensar da sexualidade e da ética; a necessidade de criar condições para um diálogo teológico sem exclusões no seio da Igreja. Tudo isto é verdade, mas não esconde a paixão com que se gastou a criar condições para que a esperança fosse um horizonte viável para tantos milhões de seres humanos, como abraçou a causa dos direitos humanos e da democracia.
Que não se fechem as portas que abriu e que outras venham a ser abertas é o voto de esperança que formulamos neste momento.
domingo, abril 03, 2005
José Tolentino Mendonça - Uma poesia inclusiva e fraterna
A poesia de José Tolentino Mendonça não tem "uma conotação imediatamente política", mas para ele, os insignificantes, os clandestinos, as prostitutas, "esses para quem nos custa olhar, esses que não queremos ver, são o reduto da poesia porque neles, na sua condição de vítimas, está o que resta da manhã, do sonho do próprio mundo", como afirmou na entrevista recente a Maria Leonor Nunes (vide, JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias, XXV, nº899, pp.16-17).
O pretexto para essa entrevista foi a publicação de mais um belíssimo livro de poemas A Estrada Branca, que coincidiu com a edição e estreia da sua primeira peça teatral Perdoar Helena, que segue de perto à publicação da sua tese de doutoramento A Construção de Jesus.
O horizonte em que se insere a sua poesia é mais largo do que o de uma reflexão imediatamente política, mas penso que por isso mesmo é mais abrangente. Há já longos anos, quando muitos insistiam que tudo era política, aprendi com Eduardo Lourenço que "A política como Absoluto é o reino da Morte".
É justo recordar a propósito da poesia a memória de Maria de Lourdes Pintasilgo, que nela sempre buscou inspiração para a sua acção política. A poesia ajuda-nos a ver o real de forma mais clara e com o distanciamento necessário para entender o mistério das pessoas e o carácter paradoxalmente fraterno de todos os combates, já que só há uma única humanidade.
A poesia de José Tolentino Mendonça não tem uma conotação imediatamente política, mas alimenta a nossa determinação em dizer não ao intolerável sofrimento dos pobres e dos excluídos, a lutar pela dignidade de todos, incluindo os insignificantes.
Mas, não é apenas a sua poesia que não tem uma conotação imediatamente política, também a sua teologia não é uma teologia política, como o pretendia ser a teologia política, aliás, extremamente inspiradora, de um Johann Baptist Metz.
O ponto de partida de A Construção de Jesus é a narração do Evangelho de Lucas do episódio em que uma mulher inominada, que muitas vezes foi apressadamente confundida com Maria Madalena, conhecida como pecadora naquela cidade irrompe em casa de um fariseu que o tinha convidado para comer consigo e, traz um vaso de alabastro "colocando-se por trás dele e chorando, começou a banhar-Lhe os pés com lágrimas: enxugava-os com os cabelos e beijava-os, ungindo-os com perfume" (Lc.7,38-39). Tudo isto foi motivo escândalo para os convivas porque esta mulher inominada era reputada por eles como pecadora. Jesus não só não a afasta , como lhe diz que os seus pecados lhe estão perdoados, terminando por dizer "Salvou-te a tua fé. Vai em paz"(Lc.7,50). Que José Tolentino de Mendonça parta deste episódio para a compreensão de quem é Jesus, isto é, para a construção de Jesus é tanto mais significativo quanto o que chocou mais os convivas foi o perdão dos pecados. "Quem é este que até perdoa os pecados" (Lc.7,49), interrogam-se os convivas.
O perdão está também no centro da sua peça Perdoar Helena. Como refere José Tolentino Mendonça, na já citada entrevista, "A reflexão que proponho nesta peça é sobre a necessidade do perdão e como essa experiência se impõe, a dada altura à Humanidade e à História para ganhar o seu sentido pleno" (JL,p.17).
A atenção aos insignificantes e aos outros excluídos, a necessidade do perdão são dimensões que estão para lá da acção política imediata, das diversidade das opções face aos problemas e situações concretas.
Contudo, interrogo-me se para a construção de políticas que visem alcançar mais inclusão e fraternidade, não devemos ler e escutar com atenção as interpelações que nos coloca a poesia de José Tolentino Mendonça.
Não sendo imediatamente política, estando muito para além dela, pode iluminar a nossa acção política, repleta de aproximações e de actos frágeis e nos tornar mais determinados em construir uma sociedade, mais solidária e fraterna, que inclua todos e não deixe excluído a ninguém.
O pretexto para essa entrevista foi a publicação de mais um belíssimo livro de poemas A Estrada Branca, que coincidiu com a edição e estreia da sua primeira peça teatral Perdoar Helena, que segue de perto à publicação da sua tese de doutoramento A Construção de Jesus.
O horizonte em que se insere a sua poesia é mais largo do que o de uma reflexão imediatamente política, mas penso que por isso mesmo é mais abrangente. Há já longos anos, quando muitos insistiam que tudo era política, aprendi com Eduardo Lourenço que "A política como Absoluto é o reino da Morte".
É justo recordar a propósito da poesia a memória de Maria de Lourdes Pintasilgo, que nela sempre buscou inspiração para a sua acção política. A poesia ajuda-nos a ver o real de forma mais clara e com o distanciamento necessário para entender o mistério das pessoas e o carácter paradoxalmente fraterno de todos os combates, já que só há uma única humanidade.
A poesia de José Tolentino Mendonça não tem uma conotação imediatamente política, mas alimenta a nossa determinação em dizer não ao intolerável sofrimento dos pobres e dos excluídos, a lutar pela dignidade de todos, incluindo os insignificantes.
Mas, não é apenas a sua poesia que não tem uma conotação imediatamente política, também a sua teologia não é uma teologia política, como o pretendia ser a teologia política, aliás, extremamente inspiradora, de um Johann Baptist Metz.
O ponto de partida de A Construção de Jesus é a narração do Evangelho de Lucas do episódio em que uma mulher inominada, que muitas vezes foi apressadamente confundida com Maria Madalena, conhecida como pecadora naquela cidade irrompe em casa de um fariseu que o tinha convidado para comer consigo e, traz um vaso de alabastro "colocando-se por trás dele e chorando, começou a banhar-Lhe os pés com lágrimas: enxugava-os com os cabelos e beijava-os, ungindo-os com perfume" (Lc.7,38-39). Tudo isto foi motivo escândalo para os convivas porque esta mulher inominada era reputada por eles como pecadora. Jesus não só não a afasta , como lhe diz que os seus pecados lhe estão perdoados, terminando por dizer "Salvou-te a tua fé. Vai em paz"(Lc.7,50). Que José Tolentino de Mendonça parta deste episódio para a compreensão de quem é Jesus, isto é, para a construção de Jesus é tanto mais significativo quanto o que chocou mais os convivas foi o perdão dos pecados. "Quem é este que até perdoa os pecados" (Lc.7,49), interrogam-se os convivas.
O perdão está também no centro da sua peça Perdoar Helena. Como refere José Tolentino Mendonça, na já citada entrevista, "A reflexão que proponho nesta peça é sobre a necessidade do perdão e como essa experiência se impõe, a dada altura à Humanidade e à História para ganhar o seu sentido pleno" (JL,p.17).
A atenção aos insignificantes e aos outros excluídos, a necessidade do perdão são dimensões que estão para lá da acção política imediata, das diversidade das opções face aos problemas e situações concretas.
Contudo, interrogo-me se para a construção de políticas que visem alcançar mais inclusão e fraternidade, não devemos ler e escutar com atenção as interpelações que nos coloca a poesia de José Tolentino Mendonça.
Não sendo imediatamente política, estando muito para além dela, pode iluminar a nossa acção política, repleta de aproximações e de actos frágeis e nos tornar mais determinados em construir uma sociedade, mais solidária e fraterna, que inclua todos e não deixe excluído a ninguém.
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