quinta-feira, abril 23, 2015
segunda-feira, abril 06, 2015
MANHÃ DE ADÍLIA LOPES
O
recente livro Manhã publicado pela
Adília Lopes é um livro belíssimo, editado com o bom gosto das edições da
Assírio & Alvim e, desde logo, da capa de Ilda David.
É
um livro que reúne poemas, que integram uma autobiografia poética, uma viagem
da autora à procura não apenas do tempo perdido, mas da sua própria identidade,
mesmo se adivinhamos uma sábia mistura de memória e fingimento poético.
Algumas
memórias podem suscitar perplexidades: “Em Colares, vi um buldogue branco anão em cima de uma coluna branca no
jardim, de uma vivenda. É a minha recordação mais antiga (…).”
Este
livro é também inseparável das excelentes fotografias que reproduz, nomeadamente,
a do verão de 1964 e a de agosto de 1977, as minhas preferidas.
Adília
Lopes tem sabido estar à altura do que lhe tem acontecido e transmutar em
criação poética e literária os desafios com que tem sido confrontada ao longo
da vida.
Di-lo,
de forma alusiva: “(…) Não foi por estudar muito que adoeci dos
nervos aos 21 anos, foi por viver num ambiente deprimente (…).”
Junta-lhe
o humor e a ironia quando escreve em Dansar:
“(…) Enquanto danso, rezo pela paz.
Enquanto danso, descanso. O meu pâncreas melhora. Só coisas boas (…).” Faz
ironia, com uma total liberdade interior, com aquilo com que se confronta: “Eu sou 8 ou 80. Até no peso. Aos 26 pesava
39 quilos kg. Aos 50 pesava 105kg. Sou certamente a Alice no País das Maravilhas”.
A
sua ironia e o seu humor é também um instrumento de intervenção.
Não
me admiraria que alguns dos seus poemas se viessem a tornar virais para os
defensores mais militantes dos direitos dos animais, como em 2 poemas do dia de S. Francisco de 2014
“Santa Teresa dizia / quando penitência,
penitência / quando perdiz, perdiz “ e
acrescenta, com ironia, “Para a perdiz /
é sempre penitência”.
A
arte poética de Adília Lopes mergulha no quotidiano, mas é tudo menos ingénua,
alimenta-se de um diálogo íntimo com os autores que fazem parte de um exigente cânone
literário, como, por exemplo, Almeida Garret, Sophia, Alexandre O `Neil, Marcel
Proust, Robert Louis Stevenson, James Joyce,
Yeats, Bernanos, Rimbaud, Selma Lagerlof, Barthes, Cristina Campo, mas também de A colher de pau de Maria
de Lurdes Modesto, Enid Blyton, a Condessa de Ségur, Agatha Christie.
Este
é um livro de uma poetisa atenta ao quotidiano que podemos encontrar num café
perto de casa a olhar para a televisão enquanto toma notas e escreve, mas
sempre atenta à dor, à injustiça, ao que estraga a vida das pessoas e dos seres
vivos. É preciso perceber o que de radical se esconde por baixo de uma aparente
simplicidade, quando escreve. “Em Lisboa /
de manhã / na sinagoga / na mesquita /na igreja de Arroios/ uma mulher/ a aspirar.”
Não
foi em vão que leu muito jovem em francês, Mémoires
d`une jeune fille rangée de Simone de Beauvoir, como refere neste livro.
A
sua poesia é por tudo isto uma poesia não apenas autobiográfica, mas uma poesia
comprometida com a nossa vida. Faz-nos falta lê-la em voz alta.
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