domingo, maio 24, 2009

PATRIMÓNIO, HERANÇA E MEMÓRIA

Guilherme d’Oliveira Martins fala-nos da cultura como criação, que é aliás o subtítulo do livro com este título, recentemente editado pela Gradiva, de que reproduzimos a capa, no qual demonstra a complementaridade entre as políticas centradas no património histórico e a criação contemporânea, sublinhando que existe sempre uma simbiose entre património material e imaterial, herança e criação.
O livro é composto por duas partes: uma reflexão pessoal suscitada pelo trabalho conjunto levado a cabo pelo grupo a que presidiu que propôs ao Conselho de Ministros da Cultura do Conselho da Europa a Convenção - Quadro do Conselho da Europa relativa ao valor do Património cultural para sociedade contemporânea; outra composta por outros textos sobre cultura portuguesa, onde procurou demonstrar a relação entre Património, Herança e Memória. Acrescenta-se o texto em português e em inglês da referida Convenção.
Esta Convenção foi proposta sob a Presidência portuguesa e foi aprovada em 27 de Outubro de 2005, na cidade de Faro.
Esta convenção, reproduzida no livro segue-se à Convenção sobre o Património arquitectónico, de Granada de 1985, à Convenção sobre o Património arqueológico de La Valetta de 1992, à Convenção sobre a Paisagem de Florença de 2000. Esta Convenção já foi ratificada por Portugal, e o seu texto pode ser consultado aqui.
Inspirando-se na reflexão de Santo Agostinho sobre o tempo, afirma: “O presente das coisas passadas é a memória; o presente das coisas presentes é a vida, o presente das coisas futuras é a espera. A nossa relação com a Cultura apenas pode ser assim entendida a partir da História, das diferenças, da complexidade e do pluralismo, da responsabilidade e da capacidade criadora”.
O direito ao Património cultural é inerente ao direito de participar na vida cultural, como se afirma no art.1.º da Convenção, que para além das obrigações que cria para as Partes que a ratificaram e do mecanismo de acompanhamento nela previsto, nos compromete a todos na realização dos seus objectivos. É por isso que as Partes se comprometem, nomeadamente, a encorajar as pessoas a participar no processo de identificação, estudo, interpretação, protecção, conservação e apresentação do Património cultural e na reflexão e debates públicos sobre as oportunidades e os desafios que o Património cultural apresenta, a apelar em síntese ao exercício da nossa cidadania cultural.
A ilustração de que o Património cultural é uma realidade viva é feita de forma convincente pelos textos publicados na segunda parte do livro. Permito-me destacar os relativos à Língua Portuguesa, que são preciosos guias para acção dos responsáveis pedagógicos e/ou políticos pelo seu ensino e difusão; sem esquecer, como refere, que este é um desafio para os seus duzentos milhões de falantes porque é a todos que cabe a defesa da nossa Língua comum.
Registo também e sublinho o que afirma em defesa do multilinguismo, afirmando que o futuro seria do esperanto ou de uma língua franca básica, o inglês simplificado, e em que defende o bom domínio da língua materna e de pelo menos duas línguas estrangeiras.
Contributos de M. Machado Pires, de Antero de Quental, de Eduardo Lourenço, Sérgio Campos Matos, Alçada Baptista, D. Manuel Clemente, Eduardo Prado Coelho, entre outros, são recordados para melhor pensar Portugal, a sua cultura e os desafios com que se tem confrontado.
Devo dizer que nesta parte há um texto que se agiganta, intitulado “Culto do Algarve - um testemunho”, que dedica à sua Mãe, é um texto memorialista, em que se solta a sua veia literária, um texto de grande cultura e sensibilidade e em que se experimenta com particular intensidade o prazer de ler.
A capa do livro é ilustrada significativamente com uma imagem que faz parte do tríptico da Almada Negreiros alusivo ao “romance” da Nau Catrineta, na Gare marítima de Alcântara, em Lisboa, que é uma obra de referência do modernismo português.

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