domingo, novembro 20, 2011

RELAÇÕES IGREJA / CULTURA

« Diálogo com criadores culturais não pressupõe

o silenciamento das diferenças»

O que é mais importante (criar, manter, repensar) na relação da Igreja com a Cultura?
A Igreja para manter uma relação mutuamente enriquecedora com a Cultura tem que encarar sem medo as transformações culturais, sociais e políticas e saber ler (e reler) permanentemente os sinais dos tempos. Tem que aprender a viver com naturalidade num mundo num processo acelerado e vertiginoso de mutação.
Num mundo em que as crises económicas e financeiras dos Estados até agora dominantes anunciam o advento de uma nova época e a emergência de novos Estados, línguas e culturas e em que os frutos da revolução científica e tecnológica e as novas tecnologias de informação invadem o quotidiano dos cidadãos, a Igreja tem de repensar permanentemente as suas relações com a Cultura.
Em Portugal, a Igreja tem vindo a promover uma Pastoral da Cultura que tem sido capaz de estabelecer pontes com muitos criadores culturais, crentes e não-crentes, e despertado comunidades cristãs para a importância da cultura para a pessoa humana ter acesso verdadeiro e pleno à humanidade. Naturalmente que há muito para fazer e repensar.
Num País em que a crise financeira, se transformou numa crise económica, existem riscos sérios de subalternização da importância da Cultura e do trabalho dos criadores culturais. O discurso sobre a necessidade do empobrecimento num contexto de crise corre o risco de esquecer que uma coisa é ter menos recursos para gastar, outra coisa é esquecer que não só de pão vive o homem, mas precisa de sentido e beleza. As despesas com a Cultura não são gastos, são investimentos numa sociedade mais justa, humana e solidária e contribuem para aumentar as exportações.
Não desistimos de ter esperança estamos certos que o desenvolvimento individual e coletivo é possível, mobilizando todos os recursos disponíveis, nomeadamente, o contributo dos criadores culturais, não apenas dos escritores e poetas, mas também dos cineastas, dos músicos, filósofos, dos arquitetos, dos dançarinos, de todos os criadores culturais sem exceção.
O repensar da relação da Igreja com a Cultura em Portugal passa por alargar e descentralizar o diálogo com os criadores culturais, crentes e não-crentes, ao longo de todo o País, estabelecendo pontes com os que se encontram espalhados pelo mundo e com o mundo de Língua Portuguesa.
O repensar da relação da Igreja com a Cultura deve assentar no direito de todos à cultura e à sua realização prática, no promover em cada pessoa a consciência do direito à cultura e do dever de se cultivar.
A atitude da Igreja no diálogo com os criadores culturais não pressupõe o silenciamento das diferenças e das divergências, mas deve ser marcada pelo saber escutar as críticas, as inquietações, as perguntas.
A relação da Igreja com a Cultura deve, como defendeu Júlia Kristeva, em Assis [27.10.2011], ousar a “aposta na renovação contínua da capacidade dos homens e das mulheres para crer e viver em conjunto (...) para que a humanidade possa prosseguir por muito tempo o seu destino criador”.

Este meu depoimento integra a edição de novembro de 2011 do "Observatório da Cultura" (n.º 16). Leia mais respostas à pergunta.

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