A música é essencial à vida, convida-nos a ir para além da máquina do quotidiano, a não nos satisfazermos com as evidências, a interrogarmo-nos sobre o mistério de estar vivo, a olharmos em volta, a sermos mais livres.
Vem isto a propósito dos excelentes concertos dos Madredeus &A Banda Cósmica, que tiveram lugar no Teatro Ibérico, em Lisboa, e nos quais apresentaram as músicas que compõem o novo disco “Metafonia”.
Metafonia, o nome do novo disco desta nova formação da banda, significa para além do som que tem caracterizado os Madredeus. O que se mantém na banda é o talento e a criatividade de Pedro Ayres Magalhães. As letras e músicas de todas as canções são da autoria de Pedro Ayres Magalhães e Carlos Maria Trindade. Letras simples que falam do essencial: o amor, a saudade, a vida, a comunhão das vozes, a paz, o mar, o navio, a viagem, o paraíso, coisas pequenas, em suma, o que pode dar qualidade à vida.
Partindo das raízes musicais portuguesas, os Madredeus abriram-se a outras influências africanas e latino-americanas, contando com músicos brasileiros e angolanos. Sente-se, por exemplo, a influência do Brasil, e de Angola, cujo merengue influenciou a canção “A Estrada da Montanha”, muito bem cantada por Rita Damásio. Assumiram o património musical dos Madredeus, dando-nos novas interpretações de canções já clássicas, como, por exemplo, “O Mar”, “Ao crepúsculo - onde é que está o meu amor?”, “O paraíso”, mas abriram-se a outras sonoridades e constituíram a Banda Cósmica na qual se integraram. A música da banda tornou-se mais ousada e mais alegre, podendo ser dançada.
É interessante perceber que o projecto musical tem uma grande coerência e radicação cultural. A canção “A profecia Atlântica” lembrou-me, de imediato a profecia do reino do Espírito Santo de Joachim de Fiore, e os cultos do Espírito Santo, que tanta influência e tantas marcas deixaram na cultura portuguesa, e que, através dela, se espalharam pelo mundo, Começa assim: «Nos mares de três continentes / Está prometido viver em paz / E as diferenças das raças, das gentes / Não serem demais», E continua «E somos todos muito importantes / Em cada cara, vê-se um coração / E o riso das crianças inocentes/ é o principal». Pedro Ayres Magalhães não se inspirou directamente em Joaquim de Fiore, mas na “História do Futuro” do Padre António Vieira e na ideia de que o mundo de língua portuguesa deveria ser protagonista da paz.
Devo dizer que o facto de apreciar esta nova música dos Madredeus não significa que esqueça músicas belíssimas de outras fases, o contributo da voz de Teresa Salgueiro, músicos notáveis que lhe deram vida noutras fases, como Rodrigo Leão, ou o papel que tiveram instrumentos como o acordeão e o violoncelo.
Pedro Ayres Magalhães e Carlos Maria Trindade, com muito talento, acrescentaram novos instrumentos, e novas vozes, as vozes de Mariana Abrunheiro, Rita Damásio, sem esquecer o contributo da voz de Ana Isabel Dias, que além de tocar harpa também acompanha por vezes as outras duas vozes.
Ana Isabel Dias, a harpista, toca muito bem e enche o palco com o prazer contagiante com que o faz. O prazer da música está, aliás, muito presente na banda. Todos os instrumentos são tocados com grande mestria: a guitarra clássica, Pedro Ayres Magalhães; a guitarra eléctrica, Sérgio Zurawski; a guitarra baixo, Gustavo Roriz; percussão Ruca Rebordão; sintetizadores, Carlos Maria Trindade; violino, Jorge Varrecoso.
Foi um grande prazer ver e ouvir tocar tão bem. A harpa, o violino, e a percussão, foram as execuções que mais me tocaram.
“Metafonia” é um disco que mistura influências musicais portuguesas, como outras influências europeias, latino-americanas e africanas. A canção “Lisboa do Mar” tem a ver com o fado, mas também com o mambo, é um fado canção mambo, no dizer de Pedro Ayres Magalhães.
Só podemos desejar que muitos experimentem o prazer da música ao ouvirem Madredeus & A Banda Cósmica, ao vivo, em disco, e se possível, em DVD, e fazer votos para que sejam uma banda de referência não apenas para os portugueses, mas para toda a comunidade dos falantes de língua portuguesa.
domingo, novembro 16, 2008
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1 comentário:
Um grande prazer escutar este novo trabalho dos Madredeus. Leve, bonito e musical.
Vida longa aos seus acordes!
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