domingo, julho 13, 2008

A CARTA DO BISPO DO PORTO E A OPOSIÇÃO CATÓLICA AO ESTADO NOVO

Em 13 de Julho de 1958 o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, enviou um pró-memoria a Salazar, cujo texto podem ler aqui, para preparar uma reunião, que nunca se chegou a realizar, que foi um marco na luta pela democracia em Portugal, que contribuiu decisivamente para a legitimação da oposição católica ao Estado Novo.
Nesse mesmo ano, em 13 de Maio, um grupo de católicos tinha-se dirigido ao director do jornal católico “Novidades” criticando a sua parcialidade na cobertura da campanha presidencial «o destaque dado a uma única candidatura, das três que disputavam a eleição presidencial». O Eng. Francisco Lino Neto, conhecido intelectual católico divulgara um texto sobre o período eleitoral no qual denunciou, designadamente, «uma confusão lamentável entre o campo político e religioso». (vide, Católicos e Política, De Humberto Delgado a Marcelo Caetano, edição e apresentação do Padre José da Felicidade Alves).
O pró-memoria, que veio a ser conhecido como a carta do bispo do Porto, abriu uma brecha que não mais se fechará entre a Igreja Católica e o Estado Novo e contribuiu de forma decisiva para a legitimação da oposição católica. É certo, como referiu aqui Guilherme d’ Oliveira Martins, que antes outros católicos já tinham marcado a sua oposição ao Estado Novo, mas não tinham o peso institucional de D. António Ferreira Gomes.
O facto do bispo do Porto ter marcado a sua distância relativamente a Salazar, foi uma luz verde para a oposição católica ao Estado Novo, como afirmou recentemente Fernando Rosas na apresentação do livro de João Miguel Almeida “A Oposição Católica ao Estado Novo”, com a qual o Centro de Reflexão Cristã (CRC) assinalou o 50º aniversário desta data.
É necessário ter presente que a carta representou uma ruptura relativamente à colaboração então existente entre o Episcopado e o Estado Novo.
Salazar tem-no bem presente quando, em 6 de Dezembro de 1958, no discurso da tomada de posse da nova Comissão Executiva da União Nacional «ameaça a Igreja Católica: se a Hierarquia não fosse capaz de assegurar a manutenção da “frente nacional” entre o Estado Novo e os católicos, a Concordata poderia ser revogada», como refere João Miguel Almeida no referido livro,
O “pró-memoria” elaborado por D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, foi divulgado por iniciativa de Salazar para provocar uma clarificação da posição da hierarquia católica relativamente ao Estado Novo. O facto de D. António Ferreira Gomes ter ficado isolado a nível episcopal nas questões que colocava a Salazar pode ter impedido o aparecimento de um partido democrata-cristão, mas contribuiu para alargar e radicalizar a oposição dos católicos ao Estado Novo.
A carta foi divulgada num momento decisivo, depois das manipulações eleitorais terem roubado a vitória nas presidenciais a Humberto Delgado, apoiado pela oposição democrática. Durante as eleições presidenciais tinham-se verificado sinais crescentes de ruptura com o regime de destacados militantes católicos
Este afrontamento com a Igreja Católica pode ser interpretado, como o faz Luís Salgado Matos aqui, como uma antecipação do conflito esperado sobre a questão colonial. Salazar não ignorava que o processo de descolonização era considerado, de forma positiva, como um sinal dos tempos pela doutrina católica.
A oposição católica, como referiu Fernando Rosas, nesta sua intervenção, que vale a pena ouvir na íntegra aqui, aqui e aqui, deu um contributo decisivo juntamente com a extrema-esquerda para que a questão colonial fosse crescentemente incluída na agenda prioritária da luta da oposição democrática contra o Estado Novo.
Na sensibilização de católicos para a questão colonial contribuíram textos como a encíclica “Populorum Progressio” do Papa Paulo VI, mas também o convívio com os padres angolanos favoráveis à independência, e a quem foi fixada residência em diversos pontos do País.
O exemplo do bispo do Porto, que nunca se rendeu, nem nunca aceitou resignar, foi um grande conforto para todos os católicos que consideravam que tinham o dever moral de afrontar o Estado Novo, e as suas políticas liberticidas, violadoras da dignidade humana, e dos direitos dos povos à autodeterminação e independência.

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