domingo, julho 22, 2007

SOPHIA DE MELLO BREYNER / MARIA BETHÂNIA

Sophia de Mello Breyner Andresen foi para mim a descoberta deslumbrada da poesia quando ainda era um jovem estudante do liceu e desde então tornou-se uma presença poética permanente. Mais tarde li com entusiasmos a sua prosa, com destaque para os “Contos Exemplares”.
Sophia foi uma cidadã exemplar, de matriz cristã, que se bateu com frontalidade contra o salazarismo e que lutou depois por um socialismo em liberdade. Mas o que mais me maravilhou sempre foi a sua qualidade humana e a sua condição de poeta, que partindo da procura de «uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima a procurar uma relação justa com o homem» (Posfácio, Livro VI; Moraes Editores, 5.º edição, 1976).
Sabendo que vivia «num sítio tão frágil como o mundo», «onde tudo nos quebra e emudece/onde tudo nos mente e nos separa»; como diz no poema cantado por Maria Bethânia, Sophia exprimiu sempre a sua confiança no progresso das coisas, num sentido positivo para a vida, acreditou sempre que era possível transformar o Caos em Cosmos e os momentos intensos que lhe foram dado viver faziam com que tivesse agradecido a Deus por existir.
Não esquecerei a sua morte e a presença do seu corpo na Igreja da Graça, uma Igreja belíssima, em cujo altar esquerdo estão os Santos negros, que a Irmandade dos Homens Negros de Nossa Senhora do Rosário tanto contribuiu para divulgar, e cuja memória é necessário avivar, uma Igreja que fica tão perto da Travessa das Mónicas onde vivia.
Fez no passado dia 2 de Julho, três anos, que Sophia morreu, mas a sua poesia permanece bem viva.
Para assinalar a data foi publicado um conjunto de setenta poemas e textos num volume intitulado «A Sophia homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen», organizado pelo PEN Clube Português e editado pela Caminho.
Com excepção de Yao Jingming, todos os textos são assinados por escritores e poetas portugueses. Foi uma sentida homenagem com poemas de textos de qualidade e com dois interessantes ensaios, um de Manuel Gusmão, outro de Maria João Reynaud.
Mais expressiva e atingindo milhões de pessoas foi a homenagem que lhe prestou essa extraordinária cantora brasileira, Maria Bethânia, com um novo e extraordinário disco “Mar de Sophia”.
É um convite para vibrarmos com a beleza da sua música, que simultaneamente nos convida a descobrirmos uma poesia luminosa e fraternal, de que a sombra não está ausente.
Maria Bethânia neste seu disco conjuga textos de Sophia com letras de canções em que a inspiração da cultura negra brasileira, como em o “Canto de Oxum” de Toquinho e Vinicius de Morais, se mistura com outras que mergulham na poesia de matriz portuguesa, ou são mesmo portuguesas, como o fado “O marujo português” de Linhares Barbosa e Artur Ribeiro.
Este disco constrói-se a partir de diversas referências culturais e simbólicas, costurando a procelária e o pirata do mar de Sophia com a evocação de Oxum e Oiá, criando uma unidade que as reúne, o que só é possível fazer com cultura, talento e gosto.
Este trabalho foi dedicado significativamente por Maria Bethânia «ao meu querido amigo» António Alçada Baptista.
Maria Bethânia tem cantado outros poetas portugueses como Fernando Pessoa e Manuel Alegre.
Começa a existir felizmente reciprocidade e não são apenas os brasileiros a descobrir e divulgar poetas e músicos portugueses, mas também grandes cantoras portuguesas como Maria João e Teresa Salgueiro a cantar canções brasileiras, num percurso de que foi pioneira Eugénia Melo e Castro.
A Língua Portuguesa une cada vez mais portugueses e brasileiros e africanos lusófonos, permitindo um novo achamento mútuo e a partilha das emoções e existe um cada vez maior número de cidadãos, para quem independentemente do passaporte, a Pátria é a Língua Portuguesa, que nos é comum.
Vamos ouvir, uma vez mais, “Mar de Sophia” de Maria Bethânia e ver como as une a paixão pelo mar. O disco inicia-se, aliás, de forma significativa, com o “Canto de Oxum” que traduz a ligação entre cultos religiosos de origem africana e o mar, e com a “Inscrição” de Sophia: «Quando eu morrer voltarei para buscar/os instantes que não vivi junto do mar».

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