domingo, maio 21, 2006

MELHOR INFORMAÇÃO, MELHOR DEMOCRACIA

Li o livro de Manuel Maria Carrilho "Sob o Signo da Verdade" como um testemunho fundamental para perceber como é que um projecto sério e apaixonado para afirmar Lisboa como uma sociedade mais solidária, mas competitiva e cosmopolita no contexto português, europeu e mundial foi vítima de uma campanha planeada e determinada que o procurou destruir como pessoa e cidadão.
Penso que todos os cidadãos que queiram perceber como, muitas vezes, os projectos de séria renovação são destruídos entre nós ganharão em ler este livro, que coloca muitas questões que é necessário aprofundar: o peso dos interesses ligados à construção civil; o papel das agências de informação; a inveja na sociedade portuguesa e a facilidade com que permite fazer passar mentiras por verdades; a falta de rigor e de isenção profissional de alguns jornalistas.
É verdade que, como refere, a maior parte dos jornalistas demonstram serenidade, deontologia e rigor. Conheço profissionais competentes e rigorosos que têm escrito excelentes trabalhos de investigação e livros de entrevistas, que são documentos fundamentais para conhecer a realidade portuguesa actual em todas as suas dimensões. Há excelentes jornalistas especializados em muitas áreas, mas é verdade que a cobertura da actualidade política e das campanhas eleitorais não obedece, muitas vezes, a esses padrões de qualidade.
A minha leitura deste livro não é neutra. Conheço e sou amigo do Manuel Maria Carrilho desde a juventude, mas por isso mesmo fico mais indignado pela imagem artificial e distorcida que dele foi transmitida por alguns jornalistas.
A forma vergonhosa como foi feita a cobertura, logo na pré-campanha, da visita a um Lar de idosos em Benfica, em que o tinha acompanhado, a manipulação total sobre o conteúdo da apresentação da sua candidatura no CCB, todas as coisas miseráveis que se escreveram sobre a presença do filho mais novo e da mulher durante a campanha, a forma como foram silenciadas as suas mais importantes iniciativas e propostas para o futuro da cidade, em contraste com a forma como o seu principal adversário foi poupado e protegido, obrigam-nos a pôr a questão do porquê. Daí a importância deste livro que no dizer de José Saramago "Dá-nos a saber como, porquê e por quem foi vencido".
Isto não significa que Manuel Maria Carrilho não tenha cometido erros, como, aliás, reconhece no seu livro. O erro capital foi, na minha opinião, a ausência de uma coligação de esquerda, em novos moldes, para a Câmara de Lisboa, que sempre defendi. Não ignoro as dificuldades quer internas, quer externas colocadas pelo irrealismo do PCP, mas ele devia "ter feito mais para que em Lisboa houvesse uma coligação de esquerda".
A derrota de Manuel Maria Carrilho foi também a de todos os que ansiavam por assegurar uma nova ambição para Lisboa. O cinzentismo dos primeiros meses de gestão municipal confirmam-no.
Manuel Maria Carrilho vem também dizer-nos com este livro que não devemos resignar-nos, que devemos ser exigentes sobre a qualidade da informação e da democracia que temos.
Sentimos que não é fácil a um cidadão intervir. A leitura deste livro torna-o ainda mais patente, mas o acolhimento e o debate que está a suscitar, devem ser para nós motivo de esperança. Nenhuma batalha está (definitivamente) perdida para quem sabe o que é importante fazer e não desiste de lutar.

PS. Foi aprovada esta semana na Assembleia da República por unanimidade a primeira iniciativa legislativa de cidadãos, que pretende revogar parcialmente o Decreto-Lei n.º73/73, que permite a não arquitectos assinar projectos. Esta iniciativa popular promovida pela Ordem dos Arquitectos, recolheu mais de 35.000 assinaturas tendo dado origem ao Projecto de Lei n.º 183/X. É um motivo de satisfação para todos os que defendem que a qualidade da democracia pode melhorar com a articulação de formas de democracia participativa com a democracia representativa. É uma vitória dos cidadãos em geral, mas é justo felicitar Helena Roseta por ter sabido, como Bastonária da Ordem dos Arquitectos, confiar nos cidadãos e por os ter envolvido num debate que irá contribuir para nos tornar mais atentos e exigentes relativamente às construções muitas vezes sem qualidade, que estão a ser edificadas.
Também não podemos deixar de considerar significativa uma outra iniciativa de cidadãos que foi anunciada esta semana e que pretende a suspensão dos julgamentos pela prática do aborto. Esta iniciativa legislativa de um grupo de cidadãos unidos em torno do lema "Proteger a vida sem julgar a mulher" vai na linha do que tem sido defendida por duas deputadas independentes, Teresa Venda e Maria do Rosário Carneiro, eleitas nas listas do Partido Socialista, que ainda não conseguiram que uma sua iniciativa nesse sentido fosse agendada e votada.
Duas conclusões podem ser retiradas desde já a existência destas iniciativas legislativas. Estas são um instrumento ao dispor de todos os cidadãos e irão surgir de todos os quadrantes ideológicos.
Outra conclusão que se pode desde já tirar é que qualquer que sejam as opções que venham ser defendidas na próxima sessão legislativa sobre o enquadramento legal a dar ao aborto, o debate será muito mais exigente do que no passado e cada um dos participantes terá de fundamentar com rigor as razões das suas posições.
São boas notícias para a cidadania e para a qualidade da democracia.

1 comentário:

Teresa Frazão disse...

A sublinhar, entre o que dizes, o que vives «não devemos resignar-nos»

Obrigada, Zé Leitão.