Os recentes motins em França, as trágicas realidades da imigração clandestina em Ceuta e Melilla tendem a preencher a atenção dos cidadãos e a não lhes permitir ir muito longe na compreensão das causas dos fenómenos. Não são muitos os jornalistas e comentadores que fornecem elementos para pensar o que se passa. Sobre as migrações existem, aliás, numerosas e bem estruturadas teses de mestrado e de doutoramento, felizmente algumas publicadas, importantes relatórios de instituições credíveis como a OCDE, a OIM e as Nações Unidas, mas os dados que fornecem estão normalmente ausentes do debate mediático e do debate político. Há uma enorme tentação de explorar o medo em lugar de divulgar informação objectiva e construir respostas adequadas para os desafios que coloca o facto de vivermos no que dois importantes estudiosos destes fenómenos, S.Castles e M.J. Miller designaram como “the age of imigration” (a era das migrações).
O Departamento de Estudos Económicos e Sociais das Nações Unidas publicou um importante relatório World Economic and Social Survey 2004, International Migration.
A sua leitura permite perceber que a grande imigração intercontinental começou no século dezasseis durante a idade da expansão europeia. O que há de novo hoje, é que a imigração desde a segunda metade do século XX começou a realizar-se no sentido do mundo desenvolvido e já não como no período da grande imigração atlântica que vai desde 1840 até ao fim da primeira guerra mundial, para o mundo não desenvolvido. As referências à actual pressão migratória ignoram o facto de que as taxas de imigração nos países de acolhimento são hoje mais baixas do que eram na viragem do século XIX para o século XX. As migrações na década de 90 do século passado registaram, contudo, um aumento de 3% para os países desenvolvidos.
A razão não é apenas a procura de oportunidades mais vantajosas nos países desenvolvidos. Responde também à existência de trabalho provocadas pelo próprio processo de desenvolvimento económico e cada vez mais pela persistente quebra de natalidade. De acordo com o referido relatório, a população da Europa sem a imigração teria registado uma redução de 4,4 milhões (-1,2%) entre 1995 e 2000 se durante esse período não tivessem chegado ao continente cerca de 5 milhões de imigrantes. A população da Alemanha teria diminuído desde 1970 se não fossem os imigrantes. Nos finais da década de 90, a imigração contribuiu para pelo menos três quartos do crescimento demográfico da Áustria, Dinamarca, Grécia, Itália, Luxemburgo, Espanha e Suiça. Segundo as projecções das Nações Unidas para o período de 2000-2050, mesmo com a entrada de uma média de 600 000 imigrantes por ano na Europa, é provável que a população europeia sofra uma redução de 96 milhões. Uma imigração significativa proveniente dos países que se tornaram recentemente membros da União Europeia teria como efeito tornar mais complicada a situação demográfica nesses países que têm taxas de fecundidade ainda mais baixas do que as que se verificam na Europa Ocidental. Dos países candidatos actualmente à adesão só a Turquia poderia contribuir para contrariar a redução demográfica da população europeia.
É por isto tudo que tem razão Teresa de Sousa quando escreveu, num artigo corajoso, “Se a Europa for uma fortaleza não terá futuro” (Público, 1-11-2005).
Ora é esta a realidade que os Estados Membros da União Europeia se recusam a encarar de frente, são e serão cada vez mais no futuro países de imigração. Os Estados da Europa ocidental que foram tradicionalmente países exportadores de mão-de-obra, não assumem facilmente uma tão profunda mudança de perfil para países de imigração. Contudo, é necessário que o façam se quiserem ter uma gestão proactiva dos fluxos migratórios. Os agentes e responsáveis políticos têm que falar verdade e ganhar a maioria dos cidadãos para esta realidade, o que está ainda longe de acontecer. Têm de explicar que a imigração é não apenas do interesse de quem imigra, mas também dos países de acolhimento. Sem a imigração o desenvolvimento económico estará comprometido, não será sustentável o modelo social europeu e a União Europeia assistirá a uma decadência demográfica irreversível.
Só assumindo que precisamos de imigrantes, criaremos políticas que fomentem a imigração legal e a integração de qualidade. Se o fizermos as migrações internacionais poderão funcionar a nível internacional como um agente de intercâmbios de competências técnicas e de conhecimento, bem como motores de dinamismo económico e de eficiência. A opção é entre gerirmos de forma proactiva as migrações ou entrarmos no futuro às arrecuas.
domingo, novembro 13, 2005
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3 comentários:
Os acontecimentos recentes têm sido transmitidos pela comunicação social de uma forma da qual só posso discordar totalmente. Infelizmente não é caso único (vejamos o caso flagrante dos incêndios dete verão...), mas parece-me que criam um alarmismo desnecessário. O importante é o alastrar do fenómeno e não as questões que estão no cerne dos acontecimentos? Este momento é importante e deveria ser aproveitado para discutir o fenómeno das migrações como um todo e adoptar medidas, programas...
Finalmente uma análise lúcida às origens de alguns problemas que vivemos hoje.
Falei ontem com um ex-emigrante que ainda possui casa no centro de Paris e está em constante contacto com habitantes de Paris. As palavras deste grande amigo elucidaram-me e não posso deixar de as referir.
"Tal como em Portugal os media alinham com quem lhes interessa, puxando por Cavaco, por Soares, pelo Benfica,etc., puxando por quem lhes possa parecer maior em detrimento dos outros e da própria verdade, em França passa-se o mesmo mas com um sentido de enganar a sociedade. Ou seja, exagerando e tornando notável aquilo que se passa a nível de tumultos, estão a satisfazer a curiosidade mórbida popular. Estão a vender mais jornais, mais notícias e a receber mais dinheiro das agências de publicidade. Servem Le Pen em detrimento do actual governo francês. Parece que querem um Le Pen como em Portugal querem um Cavaco... Dão asas a quem não merece voar. E qualquer esforço de equidade social, qualquer indício que de que esse esforço esteja a querer dar fruto é logo apagado e esquecido. Vai ser muito difícil equilibrar a sociedade e quando se tem os jornalistas na equipa do inimigo ainda é pior." Em Portugal acompanha-se Cavaco para o buraco!
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