domingo, julho 17, 2005

MARIA DE LOURDES PINTASILGO

Esta semana hesitei em falar de Manuel Alegre ou de Maria de Lourdes Pintasilgo. A comemoração dos 40 anos da Praça da Canção foi um acontecimento cultural e político da maior relevância. Ao Manuel Alegre liga-me um trajecto político maior do que o que me liga a Maria de Lourdes Pintasilgo. Antes e depois do 25 de Abril estivemos sempre do mesmo lado da barricada, primeiro contra o fascismo, depois pelo socialismo democrático Estou certo, contudo, que terei muitos e variados motivos para falar de Manuel Alegre nos próximos meses. É cada vez mais claro para a grande maioria dos socialistas e para muitos outros militantes de esquerda que Manuel Alegre será chamado a desempenhar um papel político fundamental para Portugal nos próximos meses.
Não posso por isso adiar a expressão da importância de que se reveste para mim a intervenção intelectual e política de Maria de Lourdes Pintasilgo, a saudade e gratidão que por ela nutro.
Tenho de começar por uma questão incontornável. Dei-me conta que a sua legenda é a mesma que para mim escolhi desde os meus tempos do Liceu Nacional de Viseu, os versos de Carlos Oliveira: “Cantar/ é empurrar o tempo ao encontro das cidades futuras/fique embora mais curta a nossa vida”. Ora isso significa necessariamente a existência de cumplicidades.
Na passada semana foi publicado um livro Palavras Dadas de Maria de Lourdes Pintasilgo e isso permitiu que se chamasse um pouco mais a atenção para a obra desta militante católica que foi intelectual, teóloga, feminista, militante política, tendo tido inclusive a oportunidade de ter sido a primeira e até agora a única portuguesa que desempenhou as funções de Primeiro-Ministro. Este livro é decerto modo a resposta que quis dar ao livro Mulher das Cidades Futuras com que tantas e tão destacadas figuras da sociedade portuguesa procuraram homenagear diversas dimensões da sua intervenção.
Devo dizer que o que mais admiro nela foi a vontade de ultrapassar barreiras e de pensar com audácia novos caminhos para importantes desafios culturais e sociais. Penso que foi particularmente inovadora ao pensar as questões colocadas sobre o feminino por escritoras e pensadoras como as autoras das Novas Cartas Portuguesas ou outras questões civilizacionais. Não posso também deixar de sublinhar a naturalidade com que foi progressivamente assumindo a sua condição de católica e de militante política de esquerda, o que está longe de ser evidente para toda a gente, ou como soube aglutinar em torno de causas da esquerda tanta gente com os mais diversos caminhos e concepções de vida.
Este é, aliás, um desafio que está colocado na sociedade portuguesa, impedir que se criem barreiras artificiais entre crentes e não crentes de qualquer confissão religiosa, o que foi possível evitar depois do 25 de Abril.
O caminho na sociedade e nas instituições é levar a sério o princípio da igualdade de acordo com o qual “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.”
Se os militantes católicos não aceitam ser discriminados por esse motivo nas organizações políticas e sindicais, e penso que o não são efectivamente, também o não aceitariam vir a sê-lo, naturalmente, dentro da sua Igreja. Os militantes que têm a experiência, de procurar com companheiros ou camaradas de luta soluções para os maiores problemas sociais a partir de diferentes percursos e concepções da vida, e de se sujeitar ao contraditório, e a escrutínios democráticos, que são escolhidos ou não para exercer funções públicas exclusivamente pelos seus méritos, têm, decerto, alguma coisa a ensinar.
Não creio, aliás que se possa construir qualquer projecto de Nova Evangelização sob o silêncio ou sem o contributo destes militantes. Em Portugal, apesar de alguns movimentos de involução que se manifestam entre os leigos, estou certo que devemos ter confiança numa nova primavera na Igreja, graças, designadamente, ao sentido evangélico do Episcopado Português.

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