domingo, outubro 16, 2005

CLICHÉS DISCRIMINATÓRIOS

Está a tornar-se frequente a utilização por agentes políticos e por profissionais da comunicação social de clichés discriminatórios, utilizando a palavra clichés não apenas no sentido de ideias feitas ou de estereótipos, mas numa acepção mais larga, que era a utilizada por Rodrigues Lapa, a qual cito de memória, com o significado de expressão sintética de uma ideia. Nos casos a que me refiro estes clichés veiculam ideias discriminatórias. Um dos casos actualmente mais frequentes é a utilização de frases como “Portugal parece um país do Terceiro Mundo”, “somos um país corrupto como o Terceiro Mundo”, mais genericamente tudo o que significa atraso, corrupção, incivilidade, populismo, é associado ao Terceiro Mundo. Tudo isto é feito algumas vezes por preguiça mental, mas qualquer que seja o motivo da sua utilização, reforça os preconceitos relativamente aos cidadãos que se supõem provenientes do dito Terceiro Mundo, uma parte dos quais são portugueses há várias gerações.
Estamos longe do período em que o Terceiro Mundo era esperança de um outro desenvolvimento, do não-alinhamento face aos Estados Unidos e à União Soviética. O que então se designava por Terceiro Mundo já não existe, como o comprova o facto de alguns dos Estados como a China ou a Índia serem o que se designa hoje por países emergentes.
Exemplo de mau gosto nesta matéria foi o programa de humor Contra-Informação da RTP sobre o resultado das eleições autárquicas, em que se ridicularizaram todos os aspectos mais lamentáveis destas eleições, apresentando-as como eleições realizadas no Terceiro Mundo, com paródias designadamente a África e à América Latina.
Os maus hábitos de utilizar clichés discriminatórios têm hoje outros alvos como “o negro”. Expressões pejorativas como “as listas negras” são utilizadas com frequência, como é o caso da recente “lista negra” das companhias de aviação aprovada ao nível da União Europeia. Ora nada justifica a utilização do adjectivo negro neste contexto, a não ser o preconceito implícito de que negro é sinónimo de negativo.
Encontra-se outro exemplo, no Expresso de ontem que titula “Uma semana negra” para referir a derrota eleitoral, a disputa Alegre-Soares e o OE que preocupam Sócrates. “Negra” aparece a qualificar a semana como sinónimo de tudo o que é negativo. Ora isto é intolerável, porque só tem um sentido criar um estereótipo negativo relativamente a quem é negro.
A utilização de clichés discriminatórios não é uma invenção recente. Os alvos é que mudam. Recordemos, por exemplo, expressões discriminatórias como “judiaria” ou “ciganagem”.
Outras expressões podem enunciar uma situação histórica passada, mas a sua utilização hoje tem o feito de transmitir estereótipos desvalorizadores. Expressões como “trabalhar que nem um mouro”, “o trabalho é bom para o preto”, “a fome é negra”, “a vida é negra”, dizem-nos muito sobre a dura vida de mouros e negros no passado e são marcas linguísticas que nos recordam o trabalho escravo. Mas, como já dizia a minha saudosa avó Maria do Carmo de Albuquerque, exprimindo o que aprendeu na sua aldeia de Parada, Carregal do Sal, há várias dezenas de anos, “a escravatura já acabou”. Utilizar hoje expressões como as citadas é colar os negros a uma imagem social de pobreza e exclusão.
A frequência da utilização de clichés discriminatórios por agentes políticos e por profissionais da comunicação social, exprime de uma forma dramática a baixa estima a que chegámos, a avaliação negativa, muitas vezes injustificadamente negativa que fazemos de nós e, sobretudo, de Portugal. Nós não nos comparamos com países com maior nível de desenvolvimento humano, não nos propomos convictamente alcançá-los de forma organizada e eficaz. Tememos baixar mais nessa escala e quanto mais medo temos, mais utilizamos clichés discriminatórios. Tenhamos um pouco mais de auto-estima, respeitemos os outros, comparemo-nos com os que já nos ultrapassaram, avaliemos positivamente o que já alcançámos e empenhemo-nos, de forma organizada e eficaz, em superar as nossas limitações e atingir padrões mais elevados de desenvolvimento humano.
Não tenhamos medo. Nós todos, incluindo os imigrantes que aqui vivem, juntos somos capazes de fazer de Portugal um país mais desenvolvido, mais rico, mais culto e mais justo.

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